A problemática dos cartões dos transportes públicos em Angola

Recentemente, o Executivo angolano anunciou uma medida que visa a exclusividade do uso de cartões para o pagamento dos transportes públicos, eliminando o uso de dinheiro em espécie (“cash”). Embora a proposta pareça um avanço na modernização do sistema de transporte, esta política pública apresenta desafios significativos, ao desconsiderar a realidade social, económica e tecnológica do país. A solução ideal não deve ser a exclusividade de um único método de pagamento, mas sim a coabitação de várias formas, como o uso de dinheiro, cartões e outras soluções digitais, promovendo inclusão e acessibilidade para todos.

A exclusão do pagamento em dinheiro ignora factores estruturais cruciais, como a dificuldade de acesso ao Bilhete de Identidade por parte de uma parcela significativa da população. Este problema decorre tanto de limitações operacionais dos serviços de emissão como do elevado índice de analfabetismo, que compromete a compreensão da importância de documentos essenciais à cidadania. Nesse sentido, torna-se imprescindível que o Bilhete de Identidade seja utilizado como documento base para a emissão dos cartões de transporte público, garantindo maior controlo, inclusão e alinhamento com os princípios de modernização administrativa.

Além disso, Angola tem procurado posicionar-se como destino turístico, mas medidas como esta, que desconsideram a necessidade de flexibilidade no pagamento, podem criar barreiras aos visitantes estrangeiros, que nem sempre dispõem de cartões compatíveis ou acesso aos sistemas locais. Para superar esses desafios, propõem-se soluções pragmáticas que conciliem modernização, inclusão e acessibilidade, preservando a coabitação de métodos de pagamento:

1. Utilização do Bilhete de Identidade como documento base:
A emissão de cartões deve estar associada ao Bilhete de Identidade, garantindo uma gestão mais eficiente, inclusiva e diálogo com outras bases de dados do Estado angolano. Esta medida reforça os princípios da modernização administrativa, ao centralizar informações e facilitar a integração dos cidadãos nos serviços públicos.

2. Facilitar o cadastramento digital:
A emissão de cartões poderia ser viabilizada por meio de um aplicativo adaptado para sistemas Android e iOS, permitindo a geração de um código QR associado ao utilizador. Este código poderia ser utilizado para pagamentos directamente por aplicativos bancários, eliminando a necessidade de cartões físicos e optimizando a experiência para quem possui acesso a smartphones e internet.

3. Atenção às zonas periféricas e rurais:
Para áreas sem conectividade ou população com acesso limitado à tecnologia, seria essencial a emissão de cartões físicos em pontos estratégicos de atendimento, como paragens de transportes, mercados formais e informais, entre outros locais de grande fluxo populacional.

4. Manter a flexibilidade dos métodos de pagamento:
É fundamental que o sistema permita a continuidade do pagamento em dinheiro, atendendo aqueles que ainda não têm acesso a cartões ou tecnologias digitais. O sistema de transporte deve ser inclusivo, abrangendo todas as camadas sociais, desde as mais vulneráveis até aos visitantes estrangeiros.

Portanto, ao adoptar estas medidas, o Executivo não apenas modernizaria o sistema de transporte público, mas também consolidaria os princípios de modernização administrativa do Estado angolano. A implementação de políticas inclusivas e adaptadas à realidade nacional garantirá um sistema mais eficiente, acessível e alinhado às necessidades da população e aos objectivos de desenvolvimento do país.