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Análise

A Educação em Angola precisa de revolução, não de reformas

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“Nenhuma nação pode estar acima da qualidade dos seus professores.”
— John F. Kennedy

A docência, em qualquer sociedade, é o pilar que sustenta a formação da consciência colectiva, o progresso social e a consolidação da cidadania. Em Angola, o professor tem sido historicamente o símbolo da resistência intelectual e da construção da identidade nacional. Contudo, no contexto contemporâneo, a profissão docente enfrenta desafios estruturais e simbólicos que comprometem o seu prestígio e o papel transformador que lhe é atribuído.

Autores como Paulo Freire (1996) lembram que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção”. Esta visão libertadora da educação só é possível quando o professor é reconhecido como sujeito activo do processo social e não mero executor de programas curriculares. No entanto, a realidade angolana ainda distancia-se dessa perspectiva emancipatória: os professores continuam a lutar por condições dignas, reconhecimento profissional e valorização salarial, numa conjuntura onde o exercício do magistério carece de enquadramento ético e institucional adequado.

1. A Situação do Professor em Angola

Em Angola, o Ministério da Educação continua a ser o principal órgão responsável pela supervisão da actividade docente. Contudo, não existe ainda uma Carteira Profissional do Professor nem uma Ordem Nacional dos Professores que regule o exercício da profissão, como sucede com outras classes profissionais. Tal ausência gera lacunas na certificação, na ética e na protecção dos direitos laborais dos docentes.

Segundo António Teodoro (2007), a profissão docente deve ser entendida como uma actividade complexa, que exige “formação sólida, autonomia intelectual e reconhecimento institucional”. Sem um sistema nacional de acreditação, o professor angolano permanece vulnerável e, muitas vezes, desprotegido perante políticas públicas que não valorizam devidamente o seu papel estratégico.

A educação, como observa Amartya Sen (1999), é uma forma de liberdade, uma capacidade de expansão humana e social. Quando o professor é desvalorizado, é a própria liberdade colectiva que se enfraquece. O desrespeito pelas condições de trabalho dos educadores traduz-se, a longo prazo, em desrespeito pela própria cidadania.

2. Lições dos Modelos da África Austral

Ao observarmos os países da África Austral, constatamos que Angola se encontra atrasada na institucionalização da profissão docente. Na África do Sul, o South African Council for Educators (SACE) funciona como uma autêntica Ordem dos Professores, emitindo certificados profissionais e aplicando códigos de ética obrigatórios. O mesmo sucede na Zâmbia, com o Teaching Council of Zambia (TCZ), e na Namíbia, onde o Ministry of Education, Arts and Culture e o Namibia Qualifications Authority (NQA) supervisionam o registo e licenciamento dos professores.

Esses sistemas baseiam-se na ideia de que a docência deve ser uma profissão regulamentada, ética e prestigiada. Como defende Andy Hargreaves (2003), “a docência é uma profissão moral”, e só alcança a excelência quando é reconhecida como tal. Os países vizinhos compreenderam que a valorização do professor não é apenas um acto de justiça laboral, mas uma estratégia de desenvolvimento nacional.

O modelo sul-africano, por exemplo, vincula a emissão da licença profissional ao cumprimento de padrões éticos, à formação contínua e à participação em programas de desenvolvimento pedagógico. Em Moçambique, a Cédula Profissional Docente é obrigatória, e em Botsuana, o Teaching Council of Botswana (TCB) exige certificações periódicas e verificação de conduta.

Essas práticas estão em conformidade com os princípios da UNESCO (2019), que defende a criação de “sistemas de acreditação docente baseados em competências, ética e desenvolvimento profissional permanente”.

3. A Urgência de uma Ordem ou Conselho Nacional de Professores em Angola

Angola precisa de dar um salto institucional. É urgente criar um Conselho Nacional da Profissão Docente ou uma Ordem dos Professores de Angola, capaz de:

Emitir e gerir a Carteira Profissional Docente;

Avaliar o desempenho pedagógico e ético;

Regular a formação contínua e o estágio profissional;

Representar a classe junto dos órgãos do Estado e da sociedade civil.

Como defende Pierre Bourdieu (1998), “a legitimidade profissional resulta do reconhecimento simbólico e institucional”. A inexistência de uma entidade que simbolize e defenda a classe docente angolana enfraquece a sua legitimidade e reduz o prestígio social da profissão.

A Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (Lei n.º 17/16) já reconhece a necessidade de desenvolvimento profissional contínuo, mas a sua implementação carece de mecanismos formais de certificação. Sem uma estrutura de regulação independente, o professor continua a depender exclusivamente de decisões administrativas e políticas conjunturais.

4. Mobilidade e Integração Regional

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) está a promover o Teacher Mobility Framework, que visa o reconhecimento mútuo das qualificações docentes entre os Estados-membros. Este processo representa uma oportunidade para Angola alinhar-se com padrões regionais, permitindo que professores angolanos possam leccionar em países vizinhos mediante o reconhecimento da sua formação e experiência.

Segundo o relatório da SADC (2023), “a harmonização das qualificações docentes visa aumentar a qualidade do ensino e facilitar a mobilidade do conhecimento na região”. Tal harmonização só será possível se Angola criar o seu sistema de acreditação docente e aderir ao quadro regional de certificação.

5. Valorização Material e Simbólica

A valorização da profissão docente passa também pela melhoria das condições salariais e sociais. O filósofo Karl Marx (1867) já advertia que “a desvalorização do trabalhador é a valorização do capital”. Quando o professor vive em precariedade, o sistema educativo perde credibilidade e eficiência.

É necessário, portanto, um estatuto profissional sólido, que assegure remuneração digna, progressão na carreira, incentivos à formação e reconhecimento público. Como sublinha N’Goma (2020), “a valorização do professor é a base para a reconstrução moral e intelectual de Angola”.

Além disso, deve-se fortalecer a formação pedagógica e ética dos docentes. A docência é uma vocação que exige actualização permanente. O conceito de “professor reflexivo”, desenvolvido por Donald Schön (1983), enfatiza a importância da aprendizagem ao longo da vida e da capacidade de o professor analisar criticamente a sua própria prática.

6. Caminho para a Dignificação

Dignificar o professor angolano não é um gesto político, é uma necessidade estratégica. Um país que não reconhece o valor dos seus educadores condena-se à ignorância institucionalizada.
A criação de uma Carteira Profissional de Professor seria o primeiro passo para resgatar o respeito, a confiança e o estatuto social do educador.

Como conclui Nelson Mandela (1994), “a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo”. Mas essa arma só é eficaz se for empunhada por professores respeitados, formados e valorizados.

Finalmente, é importante referir que a experiência da África Austral oferece lições preciosas a Angola. A docência deve ser reconhecida como uma profissão de Estado, sustentada por um corpo regulador, ética rigorosa e desenvolvimento contínuo.
Urge construir um modelo angolano de profissionalização docente, que una a inspiração regional à identidade nacional.

Valorizar o professor é garantir o futuro. É reconstruir a esperança através do saber. É reconhecer que, sem mestres, não há nação que se erga.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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