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Análise

Planeamento urbano ou acaso urbano? Angola não pode continuar a construir no escuro

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1. Crescimento Urbano Acelerado: O Desafio Estrutural das Cidades Angolanas

As cidades angolanas vivem um paradoxo permanente: crescem num ritmo acelerado, mas planeiam-se de forma lenta. Luanda tornou-se um exemplo dramático dessa discrepância, uma metrópole que, como afirma Saskia Sassen, “expõe a tensão entre a expansão económica e a fragilidade social”. O mesmo fenómeno observa-se em Benguela, Lubango, Huambo, Malanje, Cuito, Saurimo, Menongue, Moçâmedes, Uíge, Sumbe e noutras cidades onde a urbanização avança mais depressa do que a capacidade de a organizar.

A urbanização angolana não tem sido acompanhada pela expansão proporcional das infra-estruturas públicas. Para além da pressão demográfica, existe a migração constante do campo para a cidade, pressionando ainda mais os sectores da Educação e da Saúde. Zonas como Viana, Cacuaco, Camama, Nova Vida, Bita, Benfica ou o Bairro da Tchioco demonstram que a cidade cresce primeiro por necessidade e só depois por planeamento.

Jane Jacobs alertava, no clássico The Death and Life of Great American Cities, que “uma cidade funciona quando as pessoas podem viver nela com segurança, eficiência e liberdade”. Quando os serviços essenciais não acompanham a expansão urbana, essa liberdade transforma-se em privilégio.

2. Educação nas Cidades Angolanas: Entre a Esperança e o Abandono Silencioso

O sector da Educação é dos que mais sofre com a ausência de planeamento urbano. O mapa escolar angolano é desigual e revela um padrão evidente: escolas concentradas nas zonas centrais e um vazio de oferta nas periferias. Em localidades como Humpata, Caluquembe, Lossambo ou Panguila, a distância entre a casa e a primeira sala de aulas pode determinar o abandono escolar precoce.

David Harvey afirma que “a distribuição espacial dos recursos define a qualidade da cidadania”. Uma criança que vive no centro do Lubango possui mais probabilidades de estudar do que uma que vive na periferia do Cazenga, do Zango, de Luanda-Sul ou da Katala. Isso não é apenas urbanismo: é justiça social.

Um planeamento urbano aplicado à Educação exigiria:

Criação de zonas educativas integradas.

Construção de escolas secundárias próximas dos bairros emergentes.

Implantação de liceus técnicos e centros de formação profissional em todas as capitais provinciais.

Garantia de transporte público regular e seguro para alunos.

Ruas pavimentadas e bem iluminadas para circulação estudantil.

Salas adaptadas para estudantes com deficiência.

Richard Florida sublinha que “a competitividade de uma cidade depende da capacidade de formar e reter talento”.
Sem planeamento urbano, Angola perde talento antes mesmo de o descobrir.

3. Saúde nas Cidades Angolanas: A Geografia Que Salva ou Tira Vidas

A Saúde é um dos sectores onde o planeamento urbano é mais determinante. Um hospital mal localizado pode ser quase inútil para quem dele necessita em minutos críticos. Em muitas cidades angolanas, a rede de saúde concentra-se nas zonas centrais, deixando comunas e bairros periféricos desprotegidos.

No Sumbe, bairros como Chingo ou Praia do Bebé estão distantes dos principais centros de saúde. No Huambo, zonas como São Pedro, Benfica ou Lossambo enfrentam desafios semelhantes. Em Benguela, quem vive na zona do Cavaco, Terra Nova, 4 de Abril ou nos morros periféricos tem acesso mais difícil aos serviços hospitalares. E em Luanda, o problema é amplamente conhecido: os serviços especializados estão no centro, mas a vida concentra-se nas periferias.

O urbanista Jorge Wilheim dizia que “cidades que planeiam a saúde reduzem os custos da doença”. Em Angola, isso implicaria:

Distribuição equilibrada de postos e centros de saúde.

Construção de hospitais municipais localizados estrategicamente.

Acesso rápido através de vias estruturantes.

Criação de rotas dedicadas para ambulâncias.

Centros de diagnóstico próximos de áreas densamente povoadas.

Sistemas de emergência articulados com o desenho urbano.

A pandemia provou aquilo que Henri Lefebvre defendia: “a cidade não é apenas espaço físico, é uma condição de vida”.
Bairros com má acessibilidade sofreram mais, não por falta de médicos, mas por falta de urbanismo.

4. Interligação dos Sistemas: A Cidade Como Ecossistema Vivo

Lewis Mumford escreveu que “a cidade é uma obra de arte viva, onde a harmonia depende da ligação entre todas as partes”.
Em Angola, porém, os sectores funcionam como “ilhas”: a Educação planeia o seu lado, a Saúde o seu, a Administração Municipal outro, o Urbanismo outro, e a Mobilidade tenta acompanhar.

Daí surgirem centralidades que parecem modernas na arquitectura, mas pobres em funcionalidade. Kilamba, Sequele, Zango 5, Centralidade do Lubango, Quilomosso e outras tornaram-se áreas residenciais antes de serem cidades completas. É o inverso do verdadeiro planeamento urbano.

Um modelo coerente exigiria:

Articulação entre escolas, hospitais e novos bairros.

Garantia de que nenhum bairro é inaugurado sem serviços básicos já operacionais.

Implantação de parques, corredores verdes e espaços públicos conectores.

Transporte urbano interligado a escolas e unidades de saúde.

Mapeamento digital da expansão urbana com recurso a SIG e Big Data.

Saskia Sassen recorda que “uma cidade só é inteligente quando a sua inteligência serve as pessoas, não os edifícios”.
Este é o caminho que Angola deve seguir.

5. Desenvolvimento Urbano é Ética, Não Apenas Engenharia

Amartya Sen, prémio Nobel da Economia, afirma que “o desenvolvimento é, antes de tudo, a expansão das capacidades humanas”.
Sem planeamento urbano adequado, a cidade deixa de expandir capacidades e começa a restringi-las.

Uma escola distante nega futuro.
Um hospital longe nega vida.
Um bairro sem serviços nega cidadania.

Uma cidade mal organizada é injusta por natureza.
E uma cidade injusta gera desigualdades que se prolongam por gerações.

Henri Lefebvre sublinhava que “o direito à cidade é o direito à vida urbana digna”.
Em Angola, esse direito está ainda em construção, e dependerá de inserir a Educação e a Saúde na lógica do planeamento urbano inteligente.

6. Conclusão: O Futuro de Angola Mora no Mapa da Cidade

Angola não precisa reinventar o urbanismo; precisa aplicá-lo com visão, coragem e compromisso com o bem-estar humano.
As cidades são o espaço onde se decide se o país avança ou retrocede.
O planeamento urbano é a ponte entre o que somos e o que podemos ser.

Educação e Saúde não são apenas sectores, são a base da dignidade humana.
Integrá-los ao planeamento urbano não é opção: é necessidade vital.

Henri Lefebvre pergunta:
“Que cidade queremos e para quem a queremos?”

A resposta deve ser clara:
Queremos cidades que sirvam as pessoas, todas as pessoas do asfalto ao musseque, do litoral ao planalto, do centro à periferia.

Só assim construiremos um país verdadeiramente justo, competitivo, moderno e humano.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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