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Análise

Partidos políticos em Angola: vitalidade democrática ou mercantilização política?

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O debate sobre o surgimento de novos partidos políticos em Angola não pode ser visto apenas como sinal de vitalidade democrática. Ele revela também uma dinâmica de mercantilização política, onde partidos, programas e até quadros funcionam segundo a lógica do mercado.

Se, no passado, a militância era um acto de convicção e compromisso ideológico, hoje a adesão política tende a seguir a chamada “lei do retorno”. Como observa Manuel Castells (2018), “na era da sociedade em rede, a política é cada vez mais moldada por interesses pragmáticos e utilitaristas do que por ideologias fixas”. O militante moderno não se contenta apenas com o discurso, ele espera benefícios concretos – sejam cargos, acesso a redes de influência ou oportunidades de ascensão social.

1. Da ideologia ao mercado político

Antigamente, os quadros eram cooptados para uma causa. Havia uma narrativa de luta, sacrifício e pertença ideológica. Hoje, como sublinha Colin Crouch (2004) no seu conceito de “pós-democracia”, a política tem-se transformado numa competição de marketing, onde os partidos são empresas em busca de clientes-eleitores, e os líderes, gestores de imagem e de capital simbólico.

Nesse sentido, o mercado político assemelha-se ao mercado económico: exige estratégias de captação, retenção e desenvolvimento de quadros. Como lembra Kotler e Armstrong (2020), “qualquer organização que queira sobreviver precisa compreender o seu público e oferecer valor percebido”. Essa lógica, aplicada à política, mostra que os partidos precisam de se ajustar ao comportamento dos eleitores e dos próprios militantes, que agem como consumidores racionais.

2. A gestão de quadros partidários

A política deixou de ser apenas disputa de ideias e passou a ser disputa de talentos. Os partidos precisam de atrair e manter quadros qualificados, mas estes, muitas vezes, avaliam onde terão melhor retorno. Pierre Bourdieu (1991) já alertava para o facto de o campo político funcionar como espaço de disputa de diferentes tipos de capital: simbólico, social e económico. Assim, um militante não se prende apenas pela ideologia, mas pela expectativa de ganho dentro desse campo.

Diante desta realidade, torna-se urgente que os partidos desenvolvam políticas de gestão estratégica de quadros, semelhantes à gestão de recursos humanos no sector empresarial. Como defende Mintzberg (2015), “as organizações que não cuidam do seu capital humano condenam-se à irrelevância”. Se a política quer ser mais do que um jogo de interesses pessoais, deve investir na formação, acompanhamento e valorização contínua dos seus membros.

3. Riscos da mercantilização política

O grande risco deste processo é o esvaziamento do conteúdo ideológico e a degradação da confiança pública. Zygmunt Bauman (2007) falava de uma “modernidade líquida” em que relações e compromissos se tornam frágeis. O mesmo fenómeno atinge a política: partidos surgem e desaparecem, alianças mudam ao sabor da conveniência e os eleitores tornam-se descrentes.

Se a democracia depende da confiança dos cidadãos nas instituições, a excessiva mercantilização pode corroê-la. Como alerta Norberto Bobbio (2000), “sem confiança recíproca, a democracia transforma-se numa mera técnica de legitimação do poder, desprovida de substância ética”.

Finalmente, é importante reconhecer que o surgimento de novos partidos em Angola pode ser, sim, sinal de vitalidade democrática. Contudo, se essa proliferação se basear apenas na lógica mercantil de retorno imediato e cálculos individuais corre-se o risco de transformar a política num leilão de interesses.

A mercantilização é inevitável na contemporaneidade, mas precisa ser equilibrada com ética, ideologia e visão estratégica. Os partidos devem aprender a agir como organizações modernas, mas não podem perder de vista a sua função principal: representar a sociedade e propor soluções para os seus problemas.

A sobrevivência política dependerá não apenas de captar votos, mas de construir confiança duradoura, credibilidade e um verdadeiro projecto de nação.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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