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O ceticismo nas negociações russo-ucranianas: um impasse estrutural

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As negociações entre a Rússia e a Ucrânia, iniciadas no dia 23 do mês em curso em Istambul, na Turquia, inserem-se num contexto de profundas clivagens geopolíticas e estratégicas, que tornam improvável um avanço significativo rumo a um cessar-fogo duradouro. O historial recente das rondas negociais, realizadas em Maio e Junho de 2025, revela um padrão de acordos limitados a questões humanitárias, como a troca de 1,2 mil prisioneiros, incluindo civis, e a devolução de restos mortais de soldados, com a Rússia a oferecer adicionalmente 3 mil corpos. Esta tendência sugere que as discussões actuais se manterão focadas em medidas paliativas, como novas trocas de prisioneiros, em vez de abordar os pontos centrais do conflito, que envolvem disputas territoriais, alinhamentos geopolíticos e interesses estratégicos inconciliáveis.

As posições das partes são descritas como diametralmente opostas. A Rússia exige que a Ucrânia ceda territórios ocupados Crimeia, Lugansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, abandone as aspirações de adesão à NATO e interrompa o apoio militar ocidental. Por seu lado, a Ucrânia considera estas condições inaceitáveis, questionando a utilidade de negociações sem concessões russas. A proposta ucraniana de uma cúpula entre os presidentes Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin, com possível mediação de Donald Trump e Recep Tayyip Erdogan, é vista como prematura por Moscovo, que condiciona tal encontro à obtenção de “acordos concretos”. Esta divergência ideológica e estratégica cristaliza um impasse que reduz as perspectivas de um acordo abrangente no curto prazo.

A pressão externa constitui um factor relevante, mas de impacto incerto. Donald Trump, presidente dos EUA, impôs um prazo de 50 dias, a contar deste mês de Julho, para que um acordo seja alcançado, ameaçando sanções severas à Rússia e prometendo intensificar o envio de armas à Ucrânia. Contudo, fontes próximas do Kremlin indicam que Vladimir Putin não se deixa intimidar, podendo mesmo reforçar exigências territoriais, alavancado por avanços militares recentes, como a captura de Varachyne, na região de Sumy. Este contexto sugere que a pressão norte-americana, embora significativa, pode não ser suficiente para alterar a postura russa, que parece apostada numa estratégia de desgaste prolongado.

Na Ucrânia, a instabilidade política interna complica ainda mais o cenário negocial. Protestos contra Zelensky, desencadeados por uma lei que enfraquece órgãos anticorrupção, e tensões com os EUA, que congelaram temporariamente a ajuda militar, limitam a flexibilidade da delegação ucraniana. Apesar da necessidade de manter o apoio ocidental, Kiev enfrenta o desafio de conciliar a pressão doméstica com a exigência de não ceder às condições russas, o que restringe a sua capacidade de compromisso.

O Kremlin, através do porta-voz Dmitri Peskov, afirmou que “ninguém espera milagres” e que as negociações serão “muito difíceis”. Pese embora alguns Especialistas, considerem que embora lentos, as negociações mostram algum progresso em questões humanitárias, mas sublinham que o foco imediato não transcenderá este âmbito. A visão de Valerii Zaluzhnyi, ex-comandante-chefe ucraniano, de que o conflito poderá prolongar-se até 2034 sem uma reformulação estratégica por parte da Ucrânia, ganha plausibilidade neste cenário. A ausência de uma mudança significativa na abordagem de Kiev, aliada à intensificação dos combates e à intransigência russa, sugere que a guerra poderá manter-se num estado de atrito prolongado.

Em suma, as negociações de Istambul provavelmente resultarão em acordos pontuais, como trocas de prisioneiros e devolução de corpos, mas não oferecerão, no curto prazo, uma solução para o conflito. A pressão internacional, liderada por Trump, poderá acelerar o ritmo das conversas, mas as posições irreconciliáveis, o contexto político-militar e a falta de concessões mútuas apontam para a continuação da guerra. Este cenário reforça a necessidade de a Ucrânia repensar a sua estratégia de defesa e mobilização, sob pena de o conflito se prolongar, alinhando-se com a previsão de Zaluzhnyi. As negociações, embora relevantes para mitigar sofrimentos humanitários, evidenciam a complexidade de um conflito enraizado em interesses geopolíticos inconciliáveis, onde as dinâmicas de poder globais continuam a condicionar as perspectivas de paz.

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