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Análise

Leste da RDC continua volátil uma semana após assinatura do Acordo de Paz com o Ruanda

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O acordo de paz assinado há uma semana entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda, mediado pelos Estados Unidos e pelo Qatar, representa um esforço para mitigar um conflito de três décadas no leste da RDC, caracterizado por tensões étnicas, exploração de recursos minerais e ingerência externa.

Assinado pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros Thérèse Kayikwamba Wagner (RDC) e Olivier Nduhungirehe (Ruanda), sob a égide do Secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, o documento visa a retirada de tropas ruandesas, a neutralização de grupos armados como as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR) e o Movimento 23 de Março (M23), e a promoção da integração económica regional. Contudo, uma semana após a assinatura, os ânimos permanecem marcados por ceticismo, violência persistente e resistência do M23, enquanto a complexidade do conflito, com múltiplos actores armados, evidencia o que disse a Jornalista e pesquisadora de Geopolítica Fabiana André disse “travar o M23 não resolve os problemas estruturais da RDC.”

Actualmente, o leste da RDC continua volátil. O M23 mantém o controlo de cidades estratégicas como Goma (Kivu Norte) e Bukavu (Kivu Sul), além de áreas mineiras como Rubaya, rica em coltan. Confrontos esporádicos com milícias pró-governo Wazalendo resultaram em pelo menos 50 mortes nos últimos cinco dias no Kivu do Norte, segundo fontes humanitárias citadas pela ONU. A administração paralela do M23, com a nomeação de governadores e cobrança de impostos, desafia a soberania do governo congolês. Além disso, as operações contra outros grupos armados, como os bombardeamentos da coligação FARDC-UPDF contra as Forças Democráticas Aliadas (ADF) em Lolwa, mostram a multiplicidade de actores no conflito.

A crise humanitária agravou-se, com 7,1 milhões de deslocados internos e 1,2 milhões de refugiados. A violência sexual, usada como arma de guerra, persiste, com 200 casos reportados em Goma desde janeiro, segundo a Amnistia Internacional. O controlo do M23 sobre o aeroporto de Goma restringe o acesso humanitário, dificultando a entrega de ajuda essencial.

Resposta do M23 ao Acordo:

O M23 rejeitou categoricamente o acordo, considerando-o ilegítimo por excluir as suas lideranças das negociações de Washington. Em comunicado de 2 de julho, Corneille Nangaa, líder da Aliança do Rio Congo (AFC), exigiu diálogo directo com Kinshasa e garantias para os Tutsis congoleses, mantendo a administração paralela e desafiando o compromisso de desarmamento previsto no acordo.

Posição de Ruanda:

Apesar de assinar o acordo, Kigali não reconheceu explicitamente o apoio ao M23, e a ausência de menção directa às tropas ruandesas (estimadas em 3.000-7.000), alimenta suspeitas de que Ruanda manterá influência indireta sobre o grupo rebelde. Olivier Nduhungirehe, em declarações a 3 de julho, condicionou a implementação à neutralização das FDLR.

Resposta da RDC:

Já o governo congolês, apresenta o acordo como um passo para restaurar a soberania, mas enfrenta críticas internas por ceder à pressão internacional sem garantias concretas. O acordo foi assinado “pensando nos compatriotas do leste”, prometendo proteção e retorno de deslocados. Contudo, a incapacidade das Forças Armadas da RDC (FARDC) para conter o M23, aliada à dependência de milícias Wazalendo e à fragmentação interna, limita a credibilidade do governo. Os protestos em Kinshasa, exigem acções mais robustas contra o M23 e a retirada imediata de tropas ruandesas.

Ânimos e Reações:

No Ruanda, o governo celebra o acordo como uma vitória diplomática que neutraliza as FDLR e reduz a pressão por sanções. Sectores Tutsis, porém, defendem o apoio ao M23 para proteger interesses étnicos. Internacionalmente, os EUA destacam o acordo como uma conquista. A UA e a CEEAC apoiam, mas lamentam a dependência de mediadores externos. A MONUSCO enfrenta dificuldades para monitorar a implementação, conforme alertou Bintou Keita.

Dinâmicas Geopolíticas

Os EUA buscam contrabalançar a influência chinesa, que controla 70% da mineração de cobalto na RDC. A retórica de Trump, com ameaças de “penalidades severas”, sugere coerção, mas a falta de sanções claras limita a eficácia. O Qatar, mediador de conversações com o M23 em Doha, não obteve progressos. Ruanda beneficia diplomaticamente, mas mantém influência sobre o M23, enquanto a RDC enfrenta fragilidades internas, com um exército subfinanciado e dependência de milícias. A retirada da SADC (maio de 2025) e a redução da MONUSCO agravam a vulnerabilidade, com 1,2 milhões de refugiados ameaçando a estabilidade regional.

Limitações do Acordo

A exclusão do M23 é o principal obstáculo, tornando o desarmamento inviável. O Mecanismo Conjunto de Coordenação de Segurança, previsto para 27 de julho, carece de clareza sobre financiamento e sanções. A ausência de medidas para responsabilizar violações de direitos humanos perpetua a impunidade. Os interesses dos EUA em minerais levantam temores de neocolonialismo. Travar o M23 não resolve as raízes do conflito, com mais de 100 grupos armados, corrupção e desigualdade.

Perspectivas
1. Incluir o M23 em diálogo mediado pela UA ou Qatar.
2. Fortalecer o Mecanismo Conjunto com observadores independentes.
3. Criar um tribunal regional para atrocidades.
4. Garantir transparência na exploração mineral.
5. Reforçar o papel da UA e CEEAC.

Conclusão

Uma semana após o acordo, o ceticismo prevalece. O M23 rejeita o documento, Ruanda mantém ambiguidades, e a RDC enfrenta fragilidades. Travar o M23 não basta, dado o envolvimento de outros grupos, como as ADF, e questões estruturais como corrupção e exploração de recursos. Sem diálogo inclusivo, justiça e gestão equitativa, a paz será elusiva.

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