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Análise

Reflexão geopolítica sobre o Dia da Independência da República Democrática do Congo

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A República Democrática do Congo (RDC) celebra 65 anos de independência, conquistada em 1960 sob a liderança de Patrice Lumumba. Contudo, a data é marcada por uma reflexão agridoce, pois o país, apesar da sua riqueza mineral e potencial económico, permanece envolto em conflitos, instabilidade e exploração externa, que desafiam a soberania e o desenvolvimento almejados no processo de descolonização.

1. O Legado da Independência e a Crise Persistente

A independência da RDC à 30 de junho de 1960 marcou o fim do domínio colonial belga, mas foi seguida por uma crise imediata. O assassinato de Lumumba em 1961, com envolvimento de potências ocidentais como Bélgica e EUA, sinalizou o início de uma trajetória de ingerência externa e instabilidade interna. A Crise do Congo (1960-1965), impulsionada por rivalidades da Guerra Fria, estabeleceu um padrão de fragmentação política e exploração de recursos, que persiste até hoje. A RDC, rica em cobalto, lítio, coltan e ouro, tornou-se um epicentro de interesses geopolíticos, onde potências globais e regionais disputam influência, frequentemente às custas da soberania congolesa.

Actualmente, o leste do país, especialmente as províncias de Kivu do Norte e do Sul, é palco de intensos conflitos envolvendo o grupo rebelde M23, apoiado por Ruanda, que capturou cidades estratégicas como Goma e Bukavu. Estes confrontos resultaram em mais de 7 mil mortes desde janeiro e 400 mil deslocados, agravando uma crise humanitária com 25,4 milhões de pessoas precisando de assistência. A exploração de minerais raros, essenciais para a indústria tecnológica global, é um motor central do conflito, com Ruanda acusado de contrabandear recursos através do M23, em conivência com interesses ocidentais.

2. A Crise da Diplomacia e o Conflito na RDC

A celebração da independência ocorre num momento em que a diplomacia global enfrenta uma crise de legitimidade, como destacado na análise anterior sobre os 70 conflitos armados. A RDC exemplifica o colapso do multilateralismo clássico. A Missão de Estabilização da ONU (MONUSCO), presente há duas décadas, foi pressionada pelo governo de Félix Tshisekedi a retirar-se em 2024, devido à sua ineficácia em conter grupos armados. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) também encerrou sua missão (SAMIDRC) em 2025, após perdas significativas, incluindo 10 soldados sul-africanos e 3 malauianos em Goma

Os esforços de mediação, como o Processo de Luanda liderado por Angola sob o Presidente João Lourenço, apoiado pela SADC, União Africana, EUA e UE, falharam repetidamente. Apesar de um cessar-fogo humanitário anunciado pelo M23 em 4 de fevereiro de 2025, a trégua não foi respeitada, e o governo congolês cortou relações diplomáticas com Ruanda, acusando-o de “declaração de guerra” pelo apoio ao M23. A incapacidade de fóruns internacionais, como a ONU, bloqueada por vetos no Conselho de Segurança, reflete a fragilidade da diplomacia tradicional, incapaz de enfrentar a complexidade de conflitos alimentados por interesses económicos e étnicos.

3. A Geopolítica das Redes Sociais e a RDC

A “diplomacia de X” tem amplificado as narrativas sobre o conflito congolês, mas também contribuído para a desinformação. Posts no X, como o de @matheusccq de 28 de junho, anunciaram um acordo entre RDC e Ruanda, mediado com apoio de Trump, para retirada de tropas ruandesas em 90 dias, mas sem confirmação oficial, tais afirmações carecem de credibilidade. Outros, como @reporterenato, destacam a relação entre a violência e o aumento dos preços de smartphones devido à interrupção na extração de coltan, evidenciando como interesses globais estão intrinsecamente ligados à crise. A manipulação algorítmica, alimentada por IA, cria bolhas de realidade que polarizam o debate, dificultando a construção de consensos para soluções pacíficas.

A intervenção de líderes como Trump, que utiliza o X para projetar narrativas de força, como no caso do Irão-Israel, tem paralelos na RDC. Sua alegada mediação no conflito congolês, mencionada no X, reflete a Geopolítica da Força, onde gestos performativos substituem negociações estruturadas. Esta dinâmica marginaliza vozes locais e reforça a dependência de soluções externas, perpetuando a percepção de que a RDC é um palco de interesses estrangeiros.

4. Dinâmicas Regionais e Globais

A RDC é um microcosmo das tensões geopolíticas globais. Ruanda, apoiado por potências ocidentais como a UE através de acordos como o Memorando de Entendimento de 2024, explora a fraqueza do Estado congolês para lucrar com minerais raros, enquanto a RDC acusa países como EUA e Bélgica de conivência histórica na sua desestabilização. A China, por outro lado, aumenta sua influência através de investimentos em infraestrutura, enquanto a Rússia fornece apoio militar indireto a grupos rebeldes, como apontado em denúncias de mercenários russos na região.

A crise humanitária, com 7 milhões de deslocados e violência sexual em massa, reflete o impacto desproporcional sobre mulheres e crianças, com a UNICEF relatando uma criança estuprada a cada meia hora no leste do país. A ameaça de surtos de doenças, como o ebola, devido a combates próximos a laboratórios em Goma, agrava a situação. A comunidade internacional, distraída por conflitos como Ucrânia e Irão-Israel, negligencia a RDC, tratando-a como uma “crise africana” inevitável, uma visão distorcida que ignora a conexão com interesses globais.

5. O Futuro da RDC e da Diplomacia

No 65º aniversário da independência, a RDC enfrenta um paradoxo: é um país de imenso potencial, com recursos que alimentam a economia global, mas preso a uma guerra civil impulsionada por interesses externos e fragilidades internas. A diplomacia, para ser eficaz, precisa ser reinventada. Primeiro, deve incluir vozes congolesas e regionais, como as de líderes comunitários e organizações locais, para contrabalançar a hegemonia de potências externas. O Processo de Luanda, apesar de suas falhas, é um exemplo de iniciativa africana que merece maior apoio, mas precisa de compromissos concretos, como sanções efetivas contra Ruanda, como sugerido pelo analista Kerstan.

Segundo, a reforma de instituições como a ONU é urgente, com a inclusão de membros permanentes do Sul Global no Conselho de Segurança para dar voz a países como a RDC. Por fim, combater a “diplomacia de X” exige regulamentação de plataformas digitais para reduzir a desinformação e promover narrativas que priorizem a paz. A RDC, como Angola na Cimeira EUA-África, deve buscar parcerias económicas que valorizem o conteúdo local e a soberania, mas isso requer um Estado mais forte e menos dependente de potências externas.

Conclusão

O Dia da Independência da RDC em 2025 é um lembrete da luta inacabada por soberania e paz. A crise no leste do país, alimentada por interesses minerais e ingerência externa, reflete a fragilidade da diplomacia global, esvaziada pela Geopolítica das Redes Sociais e pela paralisia de fóruns multilaterais. A história da RDC, desde o assassinato de Lumumba até a captura de Goma pelo M23, mostra como a independência formal não garantiu autodeterminação. Para que a diplomacia volte a transformar a realidade, é necessário um esforço conjunto que priorize a inclusão, a responsabilização de actores externos como Ruanda e potências ocidentais, e a construção de um Estado congolês capaz de gerir suas riquezas. Enquanto as armas falam mais alto que as palavras, o apelo de @MiloloMartin no X, por unidade contra a balcanização do Congo, ecoa como um desafio urgente para o país e o mundo.

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