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Análise

O cessar-fogo Israel-Irão e o enriquecimento de Urânio: implicações e posicionamento dos EUA pós-cimeira da NATO

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É importante começar por dizer que cessar-fogo entre Israel e o Irão, anunciado ontem, após 12 dias de hostilidades marcadas por ataques dos EUA e de Israel às instalações nucleares iranianas em Fordow, Natanz e Isfahan, não sinaliza o fim definitivo do conflito nem garante que o Irão abandonará o enriquecimento de urânio.

Este cessar-fogo, mediado pelo Presidente Trump, foi recebido com ceticismo devido a violações iniciais de ambos os lados, com Israel e o Irão acusando-se mutuamente de ataques após o acordo. Apesar da trégua, a questão do enriquecimento de urânio permanece central.

Relatórios da inteligência americana indicam que os ataques dos EUA, embora tenham danificado instalações nucleares, não destruíram completamente o programa nuclear iraniano, estimando um atraso de apenas alguns meses. A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) confirmou que o Irão tomou medidas para proteger cerca de 400 kg de urânio enriquecido a 60%, próximo do nível necessário para armas nucleares, sugerindo que os estoques não foram eliminados. O Irão, por sua vez, suspendeu a cooperação com a AIEA, acusando-a de parcialidade, o que dificulta a verificação do seu programa nuclear.

A retórica iraniana, liderada pelo Aiatolá Ali Khamenei e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Abbas Araghchi, reforça que o enriquecimento de urânio é uma “linha vermelha” e um símbolo de soberania nacional. Apesar da proposta americana de permitir enriquecimento a baixos níveis durante negociações para um acordo mais amplo, Khamenei rejeitou qualquer abandono completo do programa, classificando as exigências dos EUA como “nonsense”. Esta postura sugere que o Irão poderá retomar o enriquecimento, especialmente se não houver progressos diplomáticos, aumentando o risco de novas tensões regionais.

Posicionamento dos EUA Pós-Cimeira da NATO

Na cimeira da OTAN em Haia (24-25 de junho de 2025), o foco principal foi o aumento do orçamento de defesa dos aliados para 5% do PIB, mas o conflito Israel-Irão dominou as discussões informais. Trump, ao chegar à cimeira, reiterou a sua posição de que o Irão não será autorizado a enriquecer urânio, afirmando que os ataques americanos “obliteraram” as capacidades nucleares iranianas, uma alegação contestada por relatórios de inteligência e pela AIEA. Apesar disso, Trump expressou abertura para negociações, anunciando uma reunião com o Irão na próxima semana, sugerindo flexibilidade em permitir a venda de petróleo iraniano à China para reconstrução económica, desde que o enriquecimento seja limitado.

Os EUA parecem adoPtar uma estratégia dupla: pressão militar e diplomática. A proposta de um “acordo-ponte” que permita enriquecimento a baixos níveis enquanto se negocia um plano para bloquear o caminho do Irão para armas nucleares indica uma tentativa de evitar escalada total. Contudo, a retórica de Trump, que oscila entre ameaças de novos ataques e otimismo sobre um “grande progresso” diplomático, reflete uma abordagem volátil. A cimeira da OTAN revelou divisões entre aliados europeus, que temem as consequências de uma guerra prolongada no Médio Oriente, mas também a necessidade de manter a coesão da aliança face às exigências de Trump.

O que esperar?

1. Frágil Cessar-Fogo: A trégua é instável, com risco de colapso se houver provocações, como retaliações iranianas ou ações israelitas. A ausência de inspetores da AIEA nas instalações iranianas dificulta a monitorização, aumentando a produtividade.

2. Continuação do Programa Nuclear: O Irão provavelmente manterá o enriquecimento, ainda que a níveis reduzidos, como forma de preservar a sua soberania e negociar concessões económicas. A incapacidade de localizar os estoques de urânio enriquecido sugere que o programa nuclear permanece uma ameaça latente.

3. Diplomacia sob Pressão: As negociações anunciadas para a semana seguinte serão cruciais. Um fracasso pode levar a novas sanções ou acções militares, enquanto um acordo parcial poderia estabilizar temporariamente a região, mas sem resolver a questão nuclear a longo prazo.

4. Impactos Globais: A incerteza sobre o programa nuclear iraniano pode manter a volatilidade nos mercados energéticos, embora a estabilização inicial após o cessar-fogo tenha reduzido os preços do petróleo. Além disso, a polarização entre blocos (EUA/Israel vs. Rússia/China/Irão) pode agravar tensões geopolíticas, especialmente se a China e a Rússia intensificarem o apoio a Teerão.

Conclusão

O cessar-fogo não marca o fim do conflito, mas uma pausa tática que não resolve a questão do enriquecimento de urânio. O Irão, pressionado mas resiliente, manterá o seu programa nuclear como alavanca diplomática e símbolo de soberania. Os EUA, sob Trump, combinam retórica agressiva com tentativas de negociação, mas enfrentam desafios para impor um acordo que elimine a ameaça nuclear sem desestabilizar ainda mais a região. A cimeira da OTAN reforçou a centralidade dos EUA na gestão da crise, mas também expôs a fragilidade da coesão ocidental. O futuro dependerá da capacidade de as partes evitarem erros de cálculo e priorizarem a diplomacia, num contexto de alta desconfiança e interesses divergentes.

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