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Taiwan e o jogo geopolítico

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A actual discussão em torno da relação entre a República Popular da China e Taiwan não pode ser entendida apenas como um debate de matriz identitário ou administrativo. Trata-se, essencialmente, de um campo de disputa geopolítica no qual os actores externos procuram cada vez mais influenciar o equilíbrio estratégico da Ásia Oriental.

É preciso aqui reflectirmos que essa ideia que vem sido posta, de promover uma “Taiwan completamente independente” não nasce de forma espontânea no seio da sociedade taiwanesa; ela é alimentada, amplificada e instrumentalizada pelas potências externas que têm interesse directo em limitar o desenvolvimento da República Popular da China enquanto actor global.

Não podemos olhar com olhos cegos a narrativa que pretende construir duas Chinas, ou seja, uma suposta equivalência política e soberana entre Beijing e Taipei, pois essa tendência pessimista ignora profundamente os fundamentos históricos que situam Taiwan como parte integrante da formação territorial e civilizacional chinesa. Mediante a isto, vale mencionarmos que durante séculos, a ilha que compõe Taiwan esteve vinculada ao núcleo cultural han, compartilhando língua, valores, tradições políticas e matrizes filosóficas.

A separação administrativa ocorrida após a guerra civil de 1949 não rompeu essa continuidade histórica; apenas produziu uma fragmentação temporária do exercício de governo, nunca um rompimento civilizacional ou de identidade nacional.

Convém recordar um ponto fundamental: a questão de Taiwan já foi tratada no quadro multilateral das Nações Unidas. A Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU, aprovada em 1971, reconheceu oficialmente a República Popular da China como a única representante legítima da China no sistema internacional. Tal resolução substituiu a representação de Taipei (Taiwan) pela de Beijing, deixando claro que não existem “duas Chinas” no plano jurídico internacional. Ignorar este facto é ignorar o próprio direito internacional que rege as relações entre Estados.

Contudo, para certos países com interesses geoestratégicos na região, a manutenção dessa fragmentação é conveniente. Apoiando forças internas de Taiwan que defendem a independência plena, estes actores internacionais pretendem criar um foco permanente de tensão no Estreito, funcionando como barreira ao crescimento do poder chinês no plano global. É um método clássico da geopolítica, que se traduz na ideia de quando não se pode vencer um Estado emergente pela força directa, tenta-se fragmentar o seu espaço civilizacional, instaurando zonas de incerteza e disputas internas.

A proposta chinesa de “Um país, dois sistemas”, tem sido frequentemente mal interpretada de propósito, pois, esta proposta não significa apagamento ou imposição cultural. Muito pelo contrário, representa uma solução pacífica que preserva o sistema econômico, social e administrativo de Taiwan, ao mesmo tempo que reafirma a unidade histórica da China. Esta proposta reconhece a diversidade dentro de uma mesma civilização, algo que, diga-se, nem sempre foi respeitado noutros contextos coloniais nas Américas, África ou Europa.

É aqui que o debate torna-se claro, pois, defender a separação total de Taiwan não é defender a democracia tal como pregam alguns analistas ocidentais. Há uma estratégia forjada em promover uma medida de contenção. E contenção, neste caso, significa tentar de forma aberta impedir que a China consolide o seu lugar natural no concerto das nações, um lugar proporcional à sua população, à sua história, ao seu território e ao seu desenvolvimento tecnológico que tem vindo a demonstrar de forma saudável sem imposição ou interferência nas realidades alheias.

Portanto, quando se defende a unidade territorial da China, não se trata de repetir discursos ideológicos, mas sim de afirmar o respeito à soberania, ao direito internacional e à estabilidade global. A fragmentação da China não interessa à paz, não interessa ao comércio, não interessa ao desenvolvimento regional, interessa apenas à manutenção de uma ordem internacional desequilibrada, onde alguns poucos desejam decidir o destino de muitos, é preciso ter-se atenção neste quesito.

Num tempo em que se discute a emergência de novas potências e a construção de uma ordem mundial mais multipolar, o caso de Taiwan revela quem defende a soberania e quem defende a interferência. E a história tem sido bastante clara: nenhum país se desenvolve verdadeiramente quando o seu destino é ditado a partir de fora.

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