Análise
Reformas administrativas em Angola: modernização ou maquiagem?

1. Introdução: o despertar da necessidade de reformas
A aprovação do novo regime de Avaliação de Desempenho dos Funcionários Públicos em Angola, com vigência a partir de Janeiro de 2026, pode ser vista como o primeiro sinal de mudança na cultura administrativa do país. Pela primeira vez, o Governo angolano estabelece uma avaliação semestral, objectiva e orientada para resultados, abandonando progressivamente o modelo puramente comportamental.
Contudo, este avanço, ainda que relevante, não deve ser sobrevalorizado. Como bem salienta Bresser-Pereira (1998), “as reformas administrativas só se consolidam quando resultam numa transformação estrutural do Estado, e não apenas em alterações pontuais nos processos”. Angola inicia um caminho, mas ainda distante da verdadeira reinvenção da sua máquina administrativa.
2. A experiência brasileira: entre avanços e resistências
No Brasil, a Reforma Administrativa está em debate há vários anos e enfrenta resistências poderosas de corporações e de sectores políticos. A proposta inclui:
Criação de uma tabela única de salários, reduzindo desigualdades e privilégios
Avaliação periódica com consequências reais
Limitação de cargos comissionados a 5% da força de trabalho
Fim de férias superiores a 30 dias
Contenção dos supersalários
Obrigatoriedade de planos de governo para cada mandato
Segundo Pollitt e Bouckaert (2017), as reformas contemporâneas da administração pública só são eficazes quando combinam eficiência, responsabilidade e foco em resultados. O caso brasileiro, apesar das dificuldades políticas, oferece lições valiosas: reformar o Estado exige tempo, negociação e capacidade de enfrentar interesses estabelecidos.
3. O modelo angolano: virtudes e limitações
O novo regime de avaliação de desempenho em Angola tem virtudes inegáveis:
1. Introdução de critérios SMART.
2. Avaliação semestral, e não apenas anual.
3. Reconhecimento do mérito e premiação dos melhores.
4. Revogação de legislação ultrapassada.
5. Inclusão da maioria dos servidores públicos.
Contudo, as limitações são claras. O modelo não resolve os problemas de fundo da administração pública angolana: salários desiguais, excesso de cargos políticos, clientelismo, baixa produtividade em sectores estratégicos e fragilidade no planeamento.
Como lembra Osborne e Gaebler (1992), “avaliar sem mudar incentivos é criar uma ilusão de reforma”.
4. Meritocracia e responsabilização: a pedra angular
A meritocracia deve estar no centro da reforma. Em Angola, durante décadas, a progressão na carreira pública esteve mais associada a lealdades políticas do que a mérito técnico. O novo modelo de avaliação pode corrigir este desvio, mas apenas se for vinculado a recompensas e sanções reais.
Segundo Peters (2019), “a politização da burocracia é o maior inimigo da profissionalização administrativa, pois mina a capacidade técnica e transforma o Estado em extensão do partido político”. Se Angola não atacar este problema, a reforma ficará pela metade.
5. A questão salarial: rumo à racionalização
A administração pública angolana vive com grandes desigualdades salariais. Enquanto certas carreiras técnicas enfrentam baixos salários, cargos políticos e comissionados beneficiam de remunerações elevadas e benefícios desproporcionais.
Inspirando-se no Brasil, Angola deve caminhar para um sistema de tabela única, capaz de reduzir disparidades e fortalecer a justiça remuneratória. Moore (1995), na sua teoria do Public Value, destaca que um Estado só cria valor público quando os seus recursos são distribuídos de forma equitativa e orientada para o bem comum.
6. Cargos comissionados: a necessidade de limites
O excesso de cargos de confiança enfraquece a administração angolana. Muitos desses lugares são ocupados por critérios político-partidários, minando a profissionalização. A proposta brasileira de limitar a 5% do total de servidores, metade deles ocupados por funcionários de carreira, deveria inspirar Angola.
Sem esta medida, continuará a haver uma burocracia altamente dependente de interesses políticos, o que compromete a neutralidade administrativa.
7. Sustentabilidade fiscal: controlar a folha salarial
Um dos maiores desafios de Angola é a pressão da folha salarial sobre o Orçamento. Quando o gasto com pessoal cresce sem corresponder a ganhos de produtividade, compromete-se o investimento em áreas sociais.
De acordo com Pollitt (2016), reformas administrativas devem sempre estar ligadas à sustentabilidade fiscal, pois “um Estado inchado é um Estado que se afasta das suas funções essenciais”. Angola precisa de regras claras que liguem aumentos salariais e contratações ao desempenho económico e às metas fiscais.
8. Planeamento estratégico: a bússola que falta
Outra medida essencial é a institucionalização do planeamento obrigatório e transparente. No Brasil, a proposta obriga cada novo governante a apresentar metas estratégicas logo no início do mandato.
Para Angola, esta prática seria fundamental. Como sublinha Mintzberg (2000), “sem planeamento, as organizações tornam-se reactivas, reféns das circunstâncias, em vez de protagonistas do seu próprio futuro”. Angola não pode continuar a depender de planos retóricos sem metas quantificáveis.
9. Conclusão: da reforma à reinvenção
O novo regime de Avaliação de Desempenho em Angola é um primeiro passo. Mas é insuficiente se não for acompanhado de uma agenda mais profunda:
Racionalização da estrutura salarial
Valorização efectiva da meritocracia
Limitação de cargos políticos
Sustentabilidade fiscal rigorosa
Planeamento estratégico institucionalizado
Como defendem Osborne e Gaebler (1992), “os governos que se reinventam não são os que apenas reformam processos, mas os que inovam na forma de entregar valor ao cidadão”.
Angola precisa de coragem política para enfrentar resistências e construir um Estado moderno, eficiente e transparente. Não basta avaliar funcionários: é necessário reformar todo o sistema, para que o serviço público deixe de ser visto como peso e se torne um verdadeiro motor de desenvolvimento.