Ligar-se a nós

Crônica

Ouvintes que contam o País

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No Capital Central, programa que tenho o gosto e a responsabilidade de apresentar de segunda a sexta-feira, na Rádio Correio da Kianda uma das grandes referências da comunicação no país  existe um momento que nunca é igual ao dia anterior: o espaço de interação, das seis às sete.

É ali, naquele intervalo matinal, que o país inteiro se debruça sobre o microfone. Cada voz que entra carrega o bairro às costas: o pó da rua, o riso da vizinhança, o desespero da torneira sem água, o improviso da energia que vai e volta como se estivesse a brincar de esconde-esconde.

Todos os dias, o Angola real  a Angola que nem sempre está nos discursos oficiais passa por aquele espaço e fala sem filtros. E nisso há emoção, há drama, há comédia… e há alma.

Há dias em que o programa parece um confessionário; noutros, uma praça pública. E às vezes, simplesmente, parece um banco de jardim onde a vida senta-se para conversar connosco.

Hoje quero contar uma das histórias que me arrancou um sorriso no ar: a do ouvinte Aniel Moço, do bairro Mundial, no município de Belas.

Ele liga sempre com a mesma saudação, tão característica que já virou marca registada:

Mano Mussungo, é um prazer não sair da vossa sintonia!

E logo depois dispara com aquele humor meio inocente, meio crítico, totalmente nosso: Mano Mussungo, aqui as mulheres só jogam! Não te irrites: jogo de azar ou de sorte, sueca, lutam à toa, passam a vida a discutir. Têm marido mas não se respeitam. Com dois mil podes arrastar uma! Por favor, diz só aos governantes para ver essa situação.

Do outro lado do estúdio, eu fico dividido entre rir e pensar.

Porque  convenhamos  o Estado até resolve muita coisa, mas ainda não chegou ao ponto de legislar sobre mesas de sueca no bairro.

E ali, no meio da gargalhada, percebo outra vez o poder da rádio: aproximar vidas tão diferentes, permitir que o cidadão fale do que dói, do que irrita, do que o faz viver. Mesmo que às vezes a preocupação seja tão inesperada que nos tira momentaneamente do foco, como a famosa estrada do Patriota…

Mas pronto. Para não pensar muito nessa estrada, fiquei mbora só no meu canto.

No fim, cada chamada do Capital Central é isso: um retrato do país. Um país que reclama, que brinca, que critica, que sonha e que ri de si próprio.

E eu, do lado de cá, tenho o privilégio de ser o ouvido  e às vezes o ombro dessa gente que faz Angola respirar.

Porque a rádio não é só notícia.

A rádio é alma.

E os nossos ouvintes, esses sim, são a verdadeira crônica viva do país.

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