Análise
O valor do trabalho em Angola: entre a exploração do capital e a luta pela sobrevivência
1. Introdução: O Trabalho como Fonte de Riqueza
Karl Marx, em O Capital (1867), afirma que “o trabalho é a medida de todo o valor”. Para ele, toda a riqueza de uma sociedade provém da força de trabalho humana, que transforma a natureza em bens úteis para o consumo. No entanto, a experiência angolana revela uma realidade paradoxal: enquanto a força de trabalho constitui a base da economia, o trabalhador é subvalorizado e mal remunerado, enfrentando custos de vida elevados, sobretudo em alimentos e bens essenciais.
Este artigo analisa, à luz da teoria marxista e de autores contemporâneos, a problemática do valor do trabalho em Angola, comparando-a com a valorização do trabalho na Europa, onde políticas sociais e acesso a bens essenciais criam uma realidade diferente, mais equilibrada e digna para os trabalhadores.
2. O Valor do Trabalho e a Mais-Valia no Contexto Angolano
Para Marx (1867), o valor de qualquer mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. A força de trabalho, entretanto, é uma mercadoria especial: ela cria novas mercadorias e produz excedente, chamado mais-valia, que não é pago ao trabalhador. É a base do lucro capitalista.
Em Angola, o trabalhador enfrenta jornadas longas, salários baixos e pouca protecção social. O tempo de trabalho excedente, que deveria gerar valor para o próprio trabalhador, é apropriado pelo empregador. Esta situação corresponde à mais-valia absoluta, típica do capitalismo periférico, onde a exploração se mantém alta, sem políticas de redistribuição ou protecção social adequadas (Amin, 2006).
Ao mesmo tempo, a mais-valia relativa, que consiste na redução do tempo de produção por meio da tecnologia, é pouco implementada de forma que beneficie o trabalhador. A mecanização e a modernização da produção concentram os lucros nas mãos de uma minoria e aumentam a precariedade laboral, criando um exército industrial de reserva de desempregados e subempregados que reforçam o controlo social e pressionam por baixos salários (Marx, 1867).
3. Contraste com a Europa: Valorização do Trabalho e Qualidade de Vida
Na Europa, políticas sociais robustas, como salários mínimos dignos, subsídios, habitação acessível e alimentação barata, permitem ao trabalhador reproduzir a sua força de trabalho sem sofrimento extremo. John Maynard Keynes (1936) defendia que o fortalecimento do poder de compra dos trabalhadores é essencial para a estabilidade económica e social.
Por exemplo, em Portugal, Alemanha ou França, os trabalhadores conseguem satisfazer as suas necessidades básicas sem comprometer a subsistência familiar. Os salários correspondem, em grande parte, ao valor da força de trabalho, refletindo uma aplicação parcial da teoria de Marx sobre o valor-trabalho. A combinação de produtividade elevada e redistribuição equitativa promove um ciclo mais justo entre capital e trabalho (Giddens, 1998).
Em Angola, porém, a situação é inversa: o salário médio não cobre os custos de vida, especialmente o da alimentação. Como observou Amílcar Cabral (1974), “um povo que não controla os meios da sua subsistência não é livre, mesmo que politicamente independente”. Assim, o trabalhador angolano vive em constante vulnerabilidade, enquanto a riqueza produzida vai quase integralmente para a elite económica e política.
4. A Desigualdade Estrutural e a Exploração do Trabalhador
O economista Joseph Stiglitz (2012) alerta que “as desigualdades estruturais corroem o tecido social e limitam o crescimento inclusivo”. Esta realidade aplica-se perfeitamente ao contexto angolano, onde o trabalhador, apesar de ser a principal força produtiva, é marginalizado em termos de participação nos lucros, segurança laboral e acesso a bens essenciais.
A precariedade laboral e a informalidade aumentam a dependência do trabalhador em relação ao capital e ao Estado, perpetuando a exploração e reforçando a desigualdade. Como enfatiza Boaventura de Sousa Santos (2010), “a desvalorização do trabalho é o reflexo da colonização do poder económico sobre o social”.
O resultado é um ciclo de pobreza laboral e subdesenvolvimento, em que o crescimento económico não se traduz em melhoria das condições de vida da população. O trabalhador angolano produz valor, mas recebe uma fração insuficiente, criando tensões sociais e limitando a estabilidade económica.
5. Trabalho e Alimentação: A Contradição Angolana
Um aspecto crítico do valor do trabalho em Angola é a relação entre salário e custo de vida, especialmente a alimentação. A lógica capitalista periférica faz com que o trabalhador precise gastar grande parte do seu salário apenas para se alimentar, diferentemente da Europa, onde políticas públicas e produção eficiente mantêm os preços acessíveis.
A alimentação cara não apenas compromete a sobrevivência diária, mas também reduz a capacidade de o trabalhador investir em educação, saúde ou lazer, perpetuando a desigualdade intergeracional. Segundo Frantz Fanon (1961), “a libertação verdadeira não se mede pela independência política, mas pela capacidade de o povo dominar as condições da sua existência”. Em Angola, o povo trabalhador ainda não domina essas condições.
6. O Papel da Tecnologia e da Composição Orgânica do Capital
Marx explica que o desenvolvimento tecnológico altera a composição orgânica do capital, a relação entre capital constante, que corresponde às máquinas e matérias-primas, e capital variável, que corresponde à força de trabalho. Em Angola, a modernização da produção tende a aumentar o capital constante, reduzindo o capital variável e, consequentemente, precarizando o emprego.
A globalização acentua esta tendência, forçando as empresas a buscar produtividade máxima com o mínimo de trabalhadores qualificados, liberando parte da mão-de-obra e aumentando o desemprego. Este fenómeno fortalece o controlo social e cria medo entre os trabalhadores, que se tornam mais passivos perante as exigências do mercado.
7. Propostas e Caminhos para Valorizar o Trabalho em Angola
A valorização do trabalho em Angola exige uma mudança estrutural profunda:
1. Revisão do salário mínimo e políticas laborais para garantir que o salário reflita o custo de vida e permita a reprodução digna da força de trabalho.
2. Fomento da produção local e redução da dependência alimentar através de políticas de soberania alimentar e incentivos à agricultura e indústria nacional.
3. Fortalecimento de sindicatos e direitos laborais para proteger os trabalhadores da exploração e permitir negociação colectiva.
4. Investimento em tecnologia e qualificação profissional para aumentar a produtividade, assegurando que os benefícios sejam partilhados com os trabalhadores.
5. Redistribuição social e políticas públicas eficazes, inspirando-se em modelos europeus que equilibram capital e trabalho.
Como sintetizou Agostinho Neto (1975):
“O mais importante é resolver os problemas do povo. O resto virá por acréscimo.”
Finalmente, é pertinente referir que o valor do trabalho em Angola permanece subvalorizado, criando um paradoxo em que a riqueza gerada não beneficia quem a produz. Comparando com a Europa, percebe-se que é possível conciliar produtividade, lucro e dignidade do trabalhador, desde que haja políticas públicas eficazes e redistribuição justa da riqueza.
Para Marx, a força de trabalho é a base da riqueza social. Em Angola, reconhecer este valor é um imperativo ético, económico e político. Valorizar o trabalhador é valorizar a nação, promover justiça social e construir uma economia verdadeiramente inclusiva e sustentável.
O desafio é grande, mas indispensável: transformar a força de trabalho em motor de dignidade e progresso, não apenas de lucro concentrado. Só assim Angola poderá assegurar uma verdadeira independência económica e social.
