Opinião
O amor em Angola: romance ou estratégia de sobrevivência?
Sentados à volta de uma mesa de plástico, ladeados por cadeiras que já viram melhores dias, um grupo de amigos embebeda-se entre goladas de cerveja morna e filosofias baratas sobre o amor. O cenário é um típico quintal angolano, onde os mosquitos são mais persistentes do que qualquer relação moderna, e o gerador zune ao fundo, quase como um coro grego a anunciar tragédias amorosas.
Um deles, inspirado pela embriaguez e pela necessidade ancestral de impressionar os demais, decide puxar pela erudição e evoca um mito antigo.
— No princípio, éramos seres completos, unidos num só corpo, com quatro braços, quatro pernas e duas caras numa só cabeça. Mas, um dia, desafiámos os deuses e eles, invejosos, dividiram-nos ao meio. Desde então, vivemos nesta busca desesperada pela nossa outra metade.
Os amigos olham-no, entre goles e risadas, e um deles questiona:
— E tu, já encontraste a tua metade ou ainda andas a cortar metades alheias?
O riso ecoa como trovão, abafando por um momento a batida do kuduro que vem do vizinho, cuja festa é patrocinada pelo salário de um funcionário público que não se lembra da última vez que viu um recibo de vencimento.
O mito dos andróginos, contado por Aristófanes no Banquete de Platão, tornou-se aqui, em pleno quintal angolano, um pretexto para rir da própria desgraça amorosa. Na prática, a única coisa que nos divide ao meio em Angola não é Zeus, mas sim a inflação, a sogra e as mensagens não respondidas no WhatsApp.
O Amor é Impossível… Mas Nem Por Isso Para de Acontecer
Enquanto o grupo filosofa, um dos convivas, já meio trôpego, decide trazer para a conversa um livro de um certo filósofo argentino, Darío Sztajnszrajber, intitulado O Amor é Impossível. Ele tenta explicar que o amor, na verdade, não morreu, apenas se tornou inalcançável.
— Se Cupido estivesse em Angola, morria era de fome — interrompe outro. — Ou então virava operador de moto-táxi, porque já ninguém acredita nesse negócio do amor eterno!
— Verdade! — acrescenta alguém. — O amor aqui é igual à gasolina: aparece, mas desaparece rápido!
E a discussão segue, entre tragédia e comédia, com cada um tentando justificar os seus fracassos românticos da maneira mais sofisticada possível.
O casamento, a monogamia, o poliamor, o desamor, o ideal romântico — tudo isso é debatido com a mesma intensidade com que se discute a próxima subida do preço do arroz. No fundo, a grande questão é: se o amor é impossível, como é que há tanta gente a sofrer por causa dele?
Monogamia, Poliamor e a Economia da Paixão
Sztajnszrajber argumenta que a monogamia não é sobre amor, mas sobre economia e política. Se a sociedade aceitasse o poliamor sem restrições, a produtividade desabaria. Em vez de trabalhar, as pessoas estariam sempre ocupadas a viver novas paixões.
No quintal, essa ideia faz todo o sentido.
— Eu já sou improdutivo sendo monogâmico, imagina se fosse poligâmico! — comenta um, enquanto segura a sexta cerveja.
— Mas a monogamia não nos torna produtivos, só nos torna endividados! — retruca outro. — Pensa bem: casamento, filhos, prestação da casa… No fim, estamos todos a trabalhar para sustentar o amor!
E assim, entre gargalhadas e verdades inconvenientes, conclui-se que o amor, pelo menos no contexto angolano, é um luxo que poucos podem pagar.
A Grande Ilusão do Amor
A conversa vai ficando mais densa e filosófica, talvez pelo efeito cumulativo do álcool. Fala-se sobre como o amor é idealizado desde a infância, como nos ensinam que há uma pessoa certa para cada um, quando, na verdade, tudo se resume a circunstância, conveniência e, claro, um certo talento para suportar a teimosia alheia.
— O amor é um contrato social mal explicado — sentencia um dos amigos.
— Exacto! Mas, enquanto algumas pessoas assinam contrato, outras preferem freelancing…
Risos. Mais cerveja. Mais filosofia de botequim.
E, no fim, a conclusão é unânime: o amor é uma impossibilidade deliciosa. Se fosse garantido, ninguém o queria. O que nos atrai nele é justamente essa capacidade de nos fazer perder, de nos deixar idiotas, de nos tornar profundamente humanos.
E então, como Epicuro dizia sobre a amizade, os caminhos de cada um cruzam-se por um tempo e depois seguem rumos diferentes.
Mas, enquanto houver um quintal, uma mesa e uma boa dose de sarcasmo, o amor continuará a ser tema de conversa, mesmo que ninguém tenha a menor ideia do que realmente significa.