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Análise

Ministério da Gestão e Inovação em Angola: solução estrutural ou engenharia burocrática?

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A criação do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) no Brasil, em 2023, abriu espaço para repensar o papel da administração pública no século XXI. Mais do que uma mera fusão administrativa, este ministério busca alinhar gestão de pessoas, inovação, transformação digital e transparência num mesmo eixo estratégico. Como defendem Osborne e Gaebler (1992), na obra Reinventing Government, “os governos que aprendem a inovar e a empreender conseguem responder melhor às demandas sociais e tornam-se mais próximos dos cidadãos”.

Em Angola, estas funções ainda se encontram dispersas entre diferentes ministérios: a Administração Pública (MAPTSS), as Tecnologias de Informação e Comunicação (MINTTICS) e a Ciência e Inovação (MESCTI). Esta fragmentação cria sobreposições, duplicação de esforços e ausência de métricas claras. Segundo Bresser-Pereira (1996), especialista em reforma do Estado na América Latina, “a fragmentação institucional é um dos principais entraves à eficácia governamental, porque impede a coordenação e a responsabilização claras”.

1. A necessidade de integração

Num cenário em que o cidadão exige rapidez, transparência e serviços digitais acessíveis, Angola poderia beneficiar de um Ministério da Gestão, Inovação e Transformação Digital, que unificasse estas competências estratégicas. Mintzberg (1996) recorda que “a administração pública não deve ser vista como mera máquina burocrática, mas como um sistema vivo, que precisa ser constantemente adaptado”.

As vantagens de uma integração deste tipo são várias:

1. Maior coordenação estratégica – como sustenta Drucker (1999), “a eficiência está em fazer as coisas certas e não apenas em fazer coisas bem feitas”. Ao alinhar inovação, digitalização e função pública, o Estado passa a agir com coerência e visão de longo prazo.

2. Eficiência administrativa – Christopher Hood (1991), ao discutir o New Public Management, aponta que centralizar funções e racionalizar estruturas é fundamental para reduzir custos e aumentar a responsabilização.

3. Valorização da função pública – Max Weber (1922), no seu clássico sobre burocracia, defendeu que a legitimidade do Estado repousa numa função pública qualificada, imparcial e valorizada.

4. Transparência e combate à corrupção – como refere Klitgaard (1994), “a corrupção cresce quando há monopólio, poder discricionário e ausência de responsabilização; diminui quando há transparência e sistemas de controlo eficazes”.

2. Os riscos do caminho

A criação de um novo ministério não é solução mágica. Enfrentaria resistências institucionais, dado que redistribui poder e influencia recursos. O contexto angolano exige também cautela em relação à infraestrutura digital desigual entre províncias. Heeks (2002) já advertia que muitas reformas digitais no setor público falham porque ignoram as condições locais de capacidade, conectividade e qualificação.

Outro desafio é evitar que a fusão se torne apenas uma “mudança cosmética”. Como alerta Osborne (2006), a inovação governamental só tem impacto quando é acompanhada de metas mensuráveis, acompanhamento sistemático e mecanismos de responsabilização claros.

3. Um modelo angolano

Inspirar-se no Brasil não significa copiar. Angola precisa de um modelo adaptado à sua realidade institucional e social. Um Ministério da Gestão, Inovação e Transformação Digital poderia ser organizado em quatro grandes secretarias:

Secretaria da Função Pública e Carreiras: concursos, progressão, formação contínua.

Secretaria de Inovação e Ciência Aplicada: parcerias universidade-governo, incubação de soluções para a administração local.

Secretaria de Transformação Digital: governação eletrónica, identidade digital nacional, interoperabilidade de sistemas.

Secretaria de Compras e Transparência: licitações centralizadas, plataformas de dados abertos e monitorização de fundos públicos.

Este desenho encontra eco em Pollitt e Bouckaert (2011), que defendem que a reforma do Estado deve ser pensada como um processo de “engenharia institucional”, onde as estruturas são ajustadas às necessidades de cada sociedade, em vez de importadas de forma acrítica.

Reflexão final

Angola encontra-se num ponto crucial do seu desenvolvimento. Um ministério que reúna gestão, inovação e digitalização poderia ser o motor de um Estado mais ágil, transparente e próximo do cidadão. Mas, como lembra Amartya Sen (1999), “o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais das pessoas” — e a governação moderna só terá sentido se ampliar as oportunidades e a dignidade do cidadão angolano.

Portanto, a questão central não é apenas se Angola pode criar um Ministério da Gestão e Inovação, mas sim se o fará com coragem, visão e compromisso com os princípios da boa governação. Afinal, como sublinha Fukuyama (2013), “a qualidade das instituições públicas é o principal determinante do sucesso ou fracasso das nações”.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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