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Inteligência estratégica em Angola: estamos a pensar o futuro ou apenas a reagir ao presente?

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O Gabinete de Análise e Estudos Estratégicos do Presidente da República de Angola (GAEE/PR) representa um dos pilares mais sensíveis e importantes do apoio à governação presidencial em Angola. Criado com o propósito de formular análises, produzir conhecimento estratégico e assessorar o Chefe de Estado nas grandes decisões nacionais, este órgão tem um papel potencialmente determinante na construção de uma governação informada, moderna, inclusiva e orientada para o futuro.

Contudo, face aos desafios estruturais, institucionais e metodológicos que Angola enfrenta, torna-se urgente reflectir sobre como o GAEE/PR pode reforçar e modernizar a sua actuação, tomando como referência boas práticas internacionais e adaptando-as ao nosso contexto político, económico, social, cultural e tecnológico.

1. De gabinete fechado a plataforma aberta de inteligência estratégica

Ao contrário de muitos gabinetes internacionais – como o CAPS em França, a Secretaria de Assuntos Estratégicos do Brasil ou o National Planning Commission da África do Sul – o GAEE/PR ainda actua com pouca visibilidade pública, escassa articulação com as universidades, limitada produção científica aberta e reduzido diálogo com a sociedade civil.

Segundo Peter Drucker (1999), “as organizações que ignoram o conhecimento externo estão condenadas a repetir os erros do passado”. É crucial que o GAEE/PR se transforme numa plataforma nacional de inteligência estratégica, aberta ao debate técnico-científico, fomentando redes com centros de pesquisa, laboratórios de ideias (think tanks), académicos e especialistas da diáspora, criando um verdadeiro ecossistema de produção de conhecimento ao serviço do Estado.

2. Profissionalização e multidisciplinaridade da equipa técnica

O futuro da governação estratégica exige equipas multidisciplinares altamente capacitadas, com competências em geopolítica, economia digital, inteligência artificial, sustentabilidade, segurança regional, urbanismo inteligente, big data e análise de riscos.

Inspirando-se em modelos como o Council of Economic Advisers (EUA) ou o DRC (China), Angola deve investir fortemente na profissionalização dos seus analistas estratégicos, com recrutamento transparente e baseado no mérito, formação contínua, estágios em instituições internacionais e acesso a plataformas e ferramentas tecnológicas de ponta.

Zygmunt Bauman (2000), ao falar da “modernidade líquida”, relembra que a inteligência institucional deve ser fluida, adaptativa e flexível. É neste contexto que o GAEE/PR deve moldar as suas equipas: preparadas para lidar com um mundo em constante transformação.

3. Planeamento de longo prazo e avaliação de impacto de políticas

Angola carece de uma cultura institucional de planeamento estratégico de longo prazo, orientada por dados, cenários e tendências. Como defendem James A. Robinson e Daron Acemoglu (2012), “o sucesso dos Estados depende da existência de instituições inclusivas, com capacidade de antecipação e adaptação”.

O GAEE/PR deve ser a espinha dorsal desse novo paradigma, liderando a concepção de instrumentos de planificação estratégica nacional, tal como o Plano Nacional de Desenvolvimento 2030 da África do Sul ou o Brasil 2040. Tais ferramentas devem ser acompanhadas de sistemas de monitoria e avaliação de impacto, tornando as decisões mais transparentes, responsáveis e eficazes.

4. Maior coordenação interministerial e integração digital

A fragmentação institucional e a sobreposição de mandatos ainda são entraves à eficácia do GAEE/PR. Inspirando-se no United Kingdom Cabinet Office, Angola deve apostar em mecanismos permanentes de articulação interministerial, onde o GAEE/PR atue como núcleo agregador de inteligência e avaliação de políticas.

Thomas Friedman (2005) sublinha que “a capacidade de integrar tecnologias e dados é o diferencial entre os países que lideram e os que seguem”. O GAEE/PR deve liderar a integração digital do planeamento estratégico nacional, com uso de dashboards, sistemas preditivos e análise automatizada de dados.

5. Publicar para informar, orientar e influenciar

Transparência, confiança institucional e cultura de planeamento exigem que o GAEE/PR publique relatórios regulares, briefings, notas técnicas e cenários de análise, acessíveis a decisores, empresários, académicos e cidadãos.

Amartya Sen (1999) defende que “o desenvolvimento é, acima de tudo, a expansão das liberdades substantivas”. Assim, o conhecimento partilhado é instrumento de libertação, participação e cidadania activa. O GAEE/PR tem o dever de se tornar um referencial de pensamento estratégico nacional.

Evento no Lubango: uma prática que concretiza a visão estratégica

No dia 28 de Junho, o GAEE/PR, representado pelo seu director, Dr. Norberto Garcia, participou como prelector na 8.ª Edição do “Conversa no Tyoto”, organizada pela Aliança Cívica da Huíla em parceria com a Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo.

Sob o tema “Oportunidades no Actual Ambiente Económico e Político de Angola”, o evento revelou-se um verdadeiro laboratório cidadão de inteligência estratégica participativa. Durante o encontro, Norberto Garcia destacou os avanços no sector da saúde, afirmando que “Angola tem os hospitais públicos mais modernos e tecnológicos da face da Terra”, o que suscitou uma discussão robusta entre os participantes.

Esta iniciativa representa uma concretização directa das atribuições do GAEE/PR, ao levar conhecimento ao cidadão, escutar o território e promover um diálogo construtivo entre Estado e sociedade civil. Ao aproximar-se da juventude académica, das lideranças locais e das preocupações comunitárias, o GAEE/PR mostra que estratégia também se faz com escuta activa e inteligência colectiva.

Finalmente, é importante referir que o GAEE/PR deve posicionar-se como bússola estratégica da Nação, e não apenas como centro técnico de estudos fechados. Precisa de se reinventar, abrir-se, profissionalizar-se e assumir a sua função como verdadeiro cérebro estratégico de Angola.

Boaventura de Sousa Santos (2002) lembra que “não há transformação sem conhecimento, e não há conhecimento sem escuta”. O futuro do GAEE/PR dependerá da sua capacidade de interpretar os sinais do mundo, ouvir as comunidades e aconselhar com base em evidências e visão de futuro.

Angola precisa de um centro estratégico moderno, inclusivo, tecnológico e atento ao seu povo. O GAEE/PR tem tudo para ser esse centro. Cabe agora aos seus dirigentes e analistas o desafio de transformar potencial em realização e visão em acção.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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