Análise
Inflação em Angola: entre as soluções conhecidas e a crise da execução
A inflação, quando persistente e em níveis elevados, constitui uma das maiores ameaças à estabilidade macroeconómica de qualquer país. Em Angola, os seus efeitos não são apenas estatísticos, mas fenómenos que impactam directamente a vida das famílias, a competitividade das empresas e a sustentabilidade do Estado.
Segundo Milton Friedman (1963), “a inflação é sempre e em todo lugar um fenómeno monetário”, ou seja, decorre essencialmente de desequilíbrios entre a oferta de moeda e a capacidade produtiva da economia. No caso angolano, fortemente dependente do petróleo, das importações e com uma estrutura produtiva frágil, a inflação manifesta-se como reflexo de vulnerabilidades estruturais e de choques externos.
1. Efeitos da Inflação na Realidade Angolana
Erosão do Poder de Compra e Desigualdades Sociais
O aumento contínuo dos preços corrói a capacidade de compra do Kwanza. Joseph Stiglitz (2012) defende que a inflação, quando não acompanhada de políticas de redistribuição, amplia as desigualdades sociais, penalizando sobretudo os mais pobres. Em Angola, isso é visível no aumento dos preços da cesta básica e na perda da qualidade de vida das famílias.
Instabilidade Salarial e Subversão da Ordem Económica
A inflação fragiliza a hierarquia salarial e rompe a relação entre esforço produtivo e bem-estar. Paul Krugman (2009) alerta que este fenómeno gera instabilidade social, pois a percepção de injustiça mina a confiança nas instituições. Em Angola, enquanto alguns sectores ajustam rendimentos, a maioria permanece com salários estagnados, criando tensões sociais.
Distorções no Mercado de Crédito
A inflação persistente provoca distorções financeiras. Dornbusch e Fischer (1991) demonstram que juros reais negativos estimulam a especulação em vez do investimento produtivo. A banca angolana enfrenta o dilema entre aumentar juros, afastando investidores, ou perder competitividade face ao crédito informal.
Redução do Investimento Produtivo
A imprevisibilidade económica é inimiga do crescimento sustentável. Alves da Rocha (2019) sublinha que “sem estabilidade macroeconómica, não existe crescimento sustentável”. Em Angola, as empresas gastam mais para sobreviver do que para expandir a produção, enfraquecendo a capacidade de diversificação.
Pressão na Balança de Pagamentos
Se o câmbio não acompanha o ritmo inflacionário, a competitividade externa é afectada. Krugman e Obstfeld (2018) explicam que a valorização real da moeda encarece exportações e barateia importações. Em Angola, isso traduz-se na dificuldade de reduzir a dependência do petróleo e expandir exportações não petrolíferas.
Falência do Sistema de Preços
A inflação distorce a função dos preços como sinais de mercado. Keynes (1936) já alertava que, em ambientes inflacionários, decisões de investimento tornam-se irracionais. Em Angola, tal situação gera especulação, desorganização nos mercados e perda de confiança.
2. Porque as Soluções Não Funcionam em Angola
Aqui reside a contradição central: as soluções existem, mas não funcionam pela falha dos executores.
O Divórcio entre Políticas e Práticas
Angola já adoptou programas de combate à inflação, de diversificação económica e de estabilização cambial. Muitos são alinhados às melhores práticas internacionais. O problema é que raramente saem do papel ou são distorcidos por interesses específicos. Stiglitz (2012) lembra que “o fracasso das políticas económicas não resulta da ausência de conhecimento, mas da forma como os interesses são geridos dentro das instituições”.
Razões da Ineficácia
1. Falta de Transparência – Programas de crédito e subsídios muitas vezes são capturados por elites, sem chegar à população.
2. Corrupção e Desvio de Recursos – A corrupção actua como um “imposto invisível”, nas palavras de Krugman (2009), que penaliza os pobres e distorce o mercado.
3. Excesso de Dependência do Petróleo – A diversificação é promessa constante, mas pouco realizada.
4. Políticas Descontinuadas – Mudanças de liderança significam abandono de programas em curso, gerando instabilidade.
5. Baixa Capacidade Técnica – Os executores muitas vezes carecem de formação, ferramentas e cultura de responsabilização.
A Questão da Vontade Política
Alves da Rocha (2019) enfatiza que “a instabilidade macroeconómica angolana é menos efeito de choques externos e mais resultado de fragilidades institucionais internas”. Isso significa que não é apenas uma questão económica, mas também de governação.
3. Soluções Efectivas — Dependentes de Boa Governação
As soluções estão identificadas e são consensuais:
Disciplina fiscal e monetária: evitar que o BNA financie défices públicos.
Diversificação produtiva: agricultura, indústria, turismo e mineração.
Estabilidade cambial: câmbio realista e reservas internacionais sólidas.
Fortalecimento do crédito produtivo: crédito acessível para PME’s.
Políticas salariais indexadas à inflação: justiça social.
Combate à especulação e integração da economia informal: maior base tributária.
Mas como lembra Daron Acemoglu (2012), “as instituições importam mais do que as políticas”. Sem executores comprometidos com ética, transparência e responsabilização, até as melhores ideias fracassam.
Finalmente, é importante reconhecer que a inflação em Angola não persiste por falta de soluções, mas pela incapacidade de execução séria das mesmas. O país convive com o paradoxo de possuir planos estratégicos sólidos no papel — como o PRODESI, o PIIM e o Plano de Estabilização Macroeconómica — mas que falham em gerar resultados consistentes.
O PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações) foi concebido para reduzir a dependência externa. No entanto, os apoios ao sector produtivo foram capturados por elites, com muitos produtores nacionais a queixarem-se de nunca terem recebido benefícios concretos.
O PIIM (Plano Integrado de Intervenção nos Municípios) prometia descentralização e dinamização local. Contudo, a execução foi marcada por atrasos, obras inacabadas e denúncias de sobrecustos.
O Plano de Estabilização Macroeconómica definia metas claras de contenção inflacionária e equilíbrio fiscal, mas perdeu força devido ao fraco controlo da despesa pública e à falta de coerência na aplicação de medidas.
Assim, o verdadeiro desafio não é apenas económico, mas institucional e ético. Enquanto as elites responsáveis pela execução das políticas continuarem a privilegiar interesses particulares em detrimento do interesse nacional, Angola continuará a viver sob a instabilidade inflacionária.
O futuro do Kwanza, e da confiança dos angolanos na sua economia, depende menos de novas soluções e mais da coragem de implementar com integridade aquilo que já se sabe que funciona.
