Análise
Espontâneo ou programado? O marketing de Macron que Angola deve estudar
Nos últimos anos, o Presidente francês Emmanuel Macron consolidou uma imagem política que muitos observadores descrevem como baseada na estratégia da espontaneidade. À primeira vista, Macron parece agir por impulso, interagir de forma natural com cidadãos e reagir a crises com improviso. Porém, esta espontaneidade é, na realidade, o resultado de um marketing político meticulosamente planeado, que combina presença, empatia e comunicação estratégica para reforçar autoridade e proximidade (Scammell, 2015).
A mais recente decisão de Macron de integrar o comediante Paul Cabannes na sua equipa, residente no Brasil à época da COP 30, é reveladora da sofisticação desta estratégia. Paul Cabannes não foi escolhido apenas pela notoriedade, mas pelo seu talento em humanizar a comunicação, trazer leveza e gerar empatia sem comprometer a seriedade da presidência. Esta integração demonstra a capacidade de Macron em misturar criatividade, cultura e política, transformando cada gesto numa narrativa política envolvente e acessível (Lees-Marshment, 2014).
1. Proximidade real e percebida
A estratégia de Macron evidencia que a percepção de proximidade pode ser mais determinante que a própria política substantiva (Norris, 2000). Caminhar por mercados, visitar pequenas empresas ou dialogar com jovens empreendedores cria a impressão de atenção genuína às necessidades reais dos cidadãos. No entanto, cada movimento é cuidadosamente planeado para maximizar impacto comunicacional.
Em Angola, governantes podem aplicar esta lição mesmo no fim de mandato, quando a opinião pública tende a ser mais crítica ou desconfiada. Visitas a bairros periféricos, participação em projectos culturais e sociais ou encontros com cidadãos comuns podem gerar legitimidade residual e reforçar a imagem de liderança próxima e sensível. Gestos simples, aparentemente triviais, podem ter impacto simbólico profundo, sobretudo em contextos de desconfiança social.
2. Comunicação estratégica e digital
No mundo contemporâneo, o marketing político não se limita à presença física. A comunicação digital é central para construção de narrativas persuasivas (Kotler e Keller, 2016). Macron utiliza plataformas digitais para criar interações que parecem naturais: vídeos curtos, entrevistas rápidas, posts nas redes sociais. A presença de Paul Cabannes permite que o humor, a leveza e a criatividade se tornem instrumentos estratégicos, engajando o público e reforçando a proximidade emocional.
Para Angola, esta abordagem sugere que governantes podem explorar redes sociais e meios digitais de forma inteligente, mesmo no final do mandato. Integrar artistas, humoristas ou personalidades culturais pode humanizar a liderança, gerar identificação emocional e ampliar o alcance da comunicação política sem comprometer a seriedade do cargo (Scammell, 2015; Lees-Marshment, 2014).
3. Gestão simbólica de crises e decisões
A espontaneidade de Macron é particularmente eficaz na gestão de crises e controvérsias. Greves, protestos ou decisões controversas são respondidos com rapidez, empatia e firmeza, criando uma percepção de liderança racional e próxima (Hall, 2011). Este conceito, descrito por Maarek (2012) como espontaneidade programada, combina agilidade de resposta com narrativa controlada, reforçando credibilidade.
Em Angola, líderes em fases finais de mandato podem adaptar esta prática para minimizar desgaste político. Responder a crises de forma transparente, emocionalmente conectada à população e simbolicamente perceptível pode reduzir tensão social, reforçar confiança e preservar legado político, sem necessidade de recorrer a medidas populistas superficiais.
4. Autenticidade na informalidade
Gestos simples, como cumprimentar cidadãos na rua, ouvir trabalhadores de sectores estratégicos ou participar em eventos culturais, reforçam a narrativa de autenticidade política. Associar humor e criatividade, como a inserção de Paul Cabannes, cria experiências memoráveis e fortalece a imagem do líder. Conforme observam Norris (2000) e Scammell (2015), a autenticidade percebida é um dos principais ativos na construção de capital político, especialmente em sociedades com crescente ceticismo político.
Exemplos internacionais reforçam esta estratégia. Líderes como Justin Trudeau no Canadá ou Jacinda Ardern na Nova Zelândia mantêm influência mesmo em contextos complexos, combinando proximidade, autenticidade e comunicação emocional (Lees-Marshment, 2014). A lição para Angola é clara: a política moderna é tão sobre gestão de narrativas e símbolos quanto sobre decisões administrativas.
5. Adaptando a estratégia ao contexto angolano
Mesmo no fim de mandatos, a “estratégia da espontaneidade” pode ser adaptada com sucesso em Angola. Alguns princípios práticos incluem:
Presença simbólica e estratégica: visitas a bairros periféricos, diálogo com jovens e atenção às comunidades locais.
Integração de criatividade e cultura: incluir artistas, humoristas ou influenciadores locais para humanizar a comunicação e gerar identificação emocional.
Gestão de crises com empatia: respostas rápidas, transparentes e emocionalmente conectadas à população, evitando a impressão de distância ou desinteresse.
Comunicação digital e multiplataforma: vídeos, redes sociais e interação direta com cidadãos, transmitindo autenticidade e proximidade.
Mesmo em fases finais de governo, estas práticas podem preservar a imagem de liderança, reforçar legitimidade e criar um legado de proximidade e inovação. A chave é aparentar espontaneidade com planeamento rigoroso: cada gesto é calculado, mas transmite naturalidade e conexão com o público.
Finalmente, é importante reconhecer que a “estratégia da espontaneidade” de Macron demonstra que marketing político sofisticado não é improviso, mas coreografia estratégica. A inclusão de figuras como Paul Cabannes evidencia como humor, cultura e criatividade podem humanizar líderes e reforçar identificação emocional, mesmo em contextos formais e crises políticas. Para Angola, adaptar esta abordagem pode significar reconectar líderes e cidadãos, humanizar mandatos e gerir imagem pública de forma positiva, preservando legitimidade mesmo no fim de um ciclo governativo.
Em última análise, a política moderna é tão sobre gestão de símbolos e emoções quanto sobre decisões concretas. Líderes que compreenderem isto, mesmo em mandatos finais, estarão melhor preparados para criar influência duradoura e conexão genuína com a população.
