Crónica ideal ao Domingo
As feridas que ensinam, as distâncias que libertam
Em Angola, terra de esperanças renascidas e de sonhos ainda em construção, vivemos entre feridas que ensinam e silêncios que falam mais alto do que mil discursos. A sabedoria de Carl Jung ecoa profundamente quando olhamos para o nosso quotidiano, um país que ao longo da história foi ferido, ignorado e muitas vezes afastado do seu próprio destino. Mas tal como o indivíduo amadurece através da dor, também uma nação cresce através das suas provações.
Quem te fere, te ensina
As feridas que o povo angolano carrega, sejam elas sociais, políticas ou morais, trazem consigo lições de resistência. Cada episódio de injustiça, cada promessa quebrada, cada acto de corrupção ou desigualdade é um espelho que nos mostra o que ainda precisamos curar dentro de nós como sociedade. As feridas colectivas convidam-nos à introspecção: a rever o modo como exercemos a cidadania, como escolhemos os nossos líderes e como participamos (ou nos afastamos) das decisões que moldam o futuro da nossa terra.
Quem te ignora, te mostra
O desprezo é também uma forma de revelação. Quando o jovem é ignorado nas oportunidades de emprego, o estudante é esquecido nas políticas públicas, ou o camponês é deixado à margem da economia, o país vê o reflexo da sua própria cegueira. Quem é ignorado hoje pode ser a chave para o progresso amanhã. A indiferença de uns revela a omissão de todos. E talvez o maior desafio de Angola não seja a falta de recursos, mas a falta de empatia, a incapacidade de enxergar no outro a força que completa o todo.
Quem se afasta, te liberta
Há afastamentos que são bênçãos disfarçadas. Em tempos em que a bajulação e o medo parecem moeda corrente, afastar-se pode significar libertar-se. Libertar-se do conformismo, das dependências políticas e das amarras que impedem o pensamento crítico. A verdadeira liberdade não está apenas em discursos, mas na coragem de dizer não quando o sim compromete a consciência.
Em cada cidadão que se afasta da corrupção, da mentira e da injustiça, nasce uma nova Angola, mais madura, mais consciente e mais livre.
No fundo, as palavras de Jung não falam apenas de relações humanas, mas também de relações sociais. O país que aprendermos a curar dentro de nós, o país da consciência, da ética e do carácter, será o mesmo que veremos florescer lá fora.
As feridas de Angola não são o seu fim, são o seu processo de cura.
E talvez a verdadeira liberdade nacional comece no momento em que cada angolano entende que ser livre é também aprender, mesmo com a dor.