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Análise

Angola e o “drama” da protecção social: entre a informalidade automática e a informalidade propositada

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A protecção social em Angola continua a ser um “drama” que se arrasta há décadas. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que apenas 10,5% da população, cerca de quatro milhões de pessoas, está coberta pelo sistema de segurança social. A esmagadora maioria vive e trabalha sem qualquer garantia de reforma, de protecção em caso de doença ou acidente. É um cenário que ameaça transformar o futuro do país num verdadeiro caos social.

1. A informalidade automática

Grande parte da explicação está na própria economia informal, que gera automaticamente a informalidade laboral. Vendedores ambulantes, mototaxistas, pequenos agricultores e trabalhadores por conta própria são exemplos de uma economia paralela que garante a sobrevivência de milhões, mas os mantém fora do sistema de protecção social. Como recorda Chen (2012), “o trabalho informal não é marginal, é estrutural nas economias em desenvolvimento”.

Ou seja, enquanto a economia continuar a crescer de forma desregulada, a informalidade será inevitável, arrastando consigo a exclusão social.

2. A informalidade propositada

Mas há também um fenómeno ainda mais grave: a informalidade propositada. Trata-se da prática deliberada de empregadores que, mesmo tendo condições para cumprir a lei, preferem manter trabalhadores à margem da segurança social.

Casos comuns incluem fazendas agrícolas, onde homens e mulheres trabalham anos a fio sem contrato; empresas estrangeiras, sobretudo algumas de capitais chineses, eritreus e indianos, que operam em Angola sem enquadrar devidamente os seus empregados; e ainda o trabalho doméstico, um dos mais numerosos do país, mas que continua invisível para o sistema.

Essa é uma escolha consciente, que aproveita a fraca fiscalização e a ausência de penalizações severas. Como sublinha Standing (2011), “a informalidade não é apenas ausência de lei, é também resultado de opções políticas e económicas que privilegiam o lucro sobre a dignidade do trabalhador”.

3. A crise de confiança

Outro problema é a própria percepção dos trabalhadores em relação ao INSS. Muitos duvidam da boa gestão dos seus descontos. Juristas como Domingos Epalanga denunciam que o Estado faz negócios financeiros com os fundos da segurança social sem retorno directo para os contribuintes. Isto cria um ciclo vicioso: empresas não pagam, trabalhadores desconfiam, e o sistema perde legitimidade. Esping-Andersen (1991) já alertava que “sem confiança, o Estado social torna-se letra morta”.

4. Estratégias para inverter o cenário

A crise é séria, mas não insolúvel. Angola pode e deve adoptar medidas concretas para transformar este drama em oportunidade:

Registo simplificado digital – Criar uma plataforma nacional de inscrição e pagamento da segurança social via telemóvel, integrando serviços de mobile money, Multicaixa Express e internet banking. Assim, até o trabalhador informal ou a empregada doméstica poderia inscrever-se e pagar pequenas contribuições com facilidade. Tapscott e Caston (1993) defendem que “a tecnologia aproxima o Estado dos cidadãos e reduz barreiras de exclusão”.

Fiscalização rigorosa da informalidade propositada – Fazendas, empresas estrangeiras e patrões de serviços domésticos devem ser alvo de inspecções regulares e de penalizações exemplares quando mantêm trabalhadores fora do sistema.

Regimes flexíveis para o sector informal – Permitir contribuições ajustadas ao rendimento real dos trabalhadores informais, de forma a incentivá-los a entrar no sistema sem receio de não conseguir cumprir.

Benefícios e sanções – Empresas cumpridoras devem ter acesso a incentivos fiscais e facilidades administrativas. Já as incumpridoras precisam enfrentar multas pesadas e até processos criminais.

Gestão transparente – O INSS deve abrir as suas contas a auditorias independentes, com a participação de sindicatos e sociedade civil, para devolver confiança aos trabalhadores.

Campanhas de sensibilização – É necessário explicar às comunidades que “descontar” não é perder dinheiro, mas sim investir na dignidade do futuro.

Finalmente, é importante referir que a protecção social em Angola está hoje no limite. A economia informal gera automaticamente exclusão, e a informalidade propositada alimenta a injustiça laboral. Se nada for feito, o país terá dentro de 30 a 40 anos milhões de idosos indigentes, sobrecarregando famílias e minando a paz social.

Mas este quadro pode mudar. O caminho passa pela modernização digital, fiscalização corajosa e gestão transparente. Angola tem tudo para transformar este drama em exemplo, mas falta a decisão política de colocar a dignidade do trabalhador no centro das prioridades nacionais.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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