Opinião
Alternância de poder na Administração Pública: necessidade urgente ou perigo para a estabilidade?
A alternância de poder na administração pública é um princípio essencial para a sustentabilidade institucional, a inovação contínua e o fortalecimento da governação. No entanto, essa prática pode gerar controvérsias quando se trata da estabilidade e continuidade das políticas públicas.
Em sociedades democráticas, a permanência prolongada de um mesmo líder pode gerar estagnação, centralização excessiva de decisões e redução da criatividade nos processos de gestão pública. Porém, a renovação da liderança pode também ser vista como um risco para a estabilidade institucional, especialmente quando a transição de poder não é bem planeada ou quando novos líderes carecem de experiência e visão estratégica. Assim, surge a pergunta: a alternância de poder é uma necessidade urgente ou um potencial perigo para a administração pública?
Alternância de Poder e Desenvolvimento Sustentável na Administração Pública
A alternância de poder, quando bem estruturada, contribui para a sustentabilidade das instituições públicas, garantindo que estas não dependam excessivamente de uma única pessoa ou grupo político. Max Weber (1947) destaca que a burocracia eficiente deve ser baseada em princípios racionais e impessoais, assegurando a continuidade da administração pública independentemente das mudanças de liderança. A boa prática administrativa deve focar em processos institucionais que transcendam a personalidade dos líderes, permitindo uma transição suave e eficiente para novos governantes.
Segundo Norberto Bobbio (1999), “a democracia não pode ser reduzida apenas à realização de eleições, mas deve estruturar-se sobre princípios sólidos de alternância no poder”, evitando o personalismo e o autoritarismo. No contexto da administração pública, a alternância de poder deve ser encarada como um mecanismo para evitar a concentração de poder nas mãos de um único grupo político e para promover um ambiente democrático e transparente.
No entanto, a alternância de poder sem um planeamento adequado pode gerar instabilidade. A falta de experiência de novos líderes ou a incapacidade de dar continuidade às políticas públicas já em andamento pode prejudicar a implementação de projectos essenciais para o desenvolvimento do país. A transição sem uma estratégia definida pode resultar numa gestão desorganizada, com falta de clareza e objectivo nas acções governamentais, prejudicando a confiança da população nas instituições.
Formação de Líderes que Produzem Discípulos na Administração Pública
Mais do que simplesmente mudar lideranças, é fundamental que as lideranças públicas cultivem uma mentalidade de sucessão, formando novos líderes capazes de dar continuidade ao trabalho iniciado. John C. Maxwell (2007) destaca que “um líder de sucesso não mede seu êxito apenas pelos resultados que alcança, mas pelo número de líderes que forma”. Essa perspectiva reforça a ideia de que a liderança no sector público deve ser exercida com responsabilidade pedagógica, preparando sucessores qualificados para dar continuidade e aprimorar as políticas públicas.
Em Angola, a necessidade de fomentar a formação de novos líderes na administração pública torna-se cada vez mais evidente. A falta de uma cultura de sucessão organizada tem gerado instabilidade e descontinuidade em várias instituições públicas. Para reverter esse cenário, é fundamental que as lideranças adoptem políticas de capacitação e mentoria, investindo na formação de talentos internos e promovendo uma cultura de responsabilidade partilhada. James Kouzes e Barry Posner (2017) afirmam que “as organizações que cultivam líderes não apenas sobrevivem às mudanças, mas prosperam ao longo do tempo”. Isso aplica-se directamente à administração pública, onde a continuidade e a eficácia das políticas dependem da formação de uma nova geração de líderes qualificados.
Alternância com Responsabilidade e Planeamento na Administração Pública
Para que a alternância de poder traga benefícios reais à administração pública, é essencial que ocorra de forma planeada e estruturada. Algumas estratégias incluem:
1. Criação de Programas de Mentoria – Os gestores públicos devem assumir o compromisso de orientar e preparar sucessores dentro da administração pública. A mentoria contribui para a transferência de conhecimento e a construção de uma cultura de responsabilidade partilhada.
2. Gestão Baseada em Processos e Não em Pessoas – As decisões estratégicas devem ser documentadas e institucionalizadas, garantindo que a mudança de liderança não afete o funcionamento da administração pública. A implementação de processos formais assegura que as políticas públicas sejam executadas de maneira contínua e eficiente.
3. Avaliação Contínua de Lideranças – A implementação de métricas de desempenho para gestores públicos permite identificar talentos e preparar novas lideranças. A avaliação contínua assegura que a administração pública tenha líderes capacitados para enfrentar desafios futuros.
4. Fortalecimento da Cultura Organizacional – Uma identidade institucional forte reduz o impacto das mudanças de liderança e assegura a continuidade dos valores e objectivos da administração pública. A cultura organizacional deve ser um dos principais activos das instituições públicas, proporcionando estabilidade durante períodos de transição de poder.
De acordo com Jim Collins (2001), em seu livro Empresas Feitas para Vencer, as organizações bem-sucedidas são aquelas que institucionalizam a sucessão de liderança como parte de sua cultura. Collins argumenta que o planeamento sucessório não apenas fortalece a resiliência organizacional, mas também permite que as instituições públicas prosperem independentemente de indivíduos específicos. Isso é particularmente importante no sector público, onde a estabilidade institucional e a confiança da população dependem da continuidade das políticas públicas.
Finalmente, a cultura da alternância de poder na administração pública deve ser vista como uma estratégia para garantir a sustentabilidade e o desenvolvimento das instituições públicas. Líderes visionários não se perpetuam nos cargos, mas criam as condições para que novas gerações de gestores públicos assumam responsabilidades e levem adiante as políticas públicas. Como defende Peter Drucker (1999), “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo” – e isso só é possível quando há renovação e compromisso com a formação de novos líderes.
Promover uma liderança que produz discípulos significa assegurar que o conhecimento, a experiência e os valores institucionais sejam transmitidos de forma contínua. Dessa maneira, a alternância de poder transforma-se não apenas em um mecanismo de renovação, mas num verdadeiro pilar de desenvolvimento sustentável para a administração pública e, por conseguinte, para a sociedade. Como destaca Kotter (2012), a capacidade de uma organização se reinventar continuamente depende directamente da formação de uma nova geração de líderes preparados para os desafios do futuro.