Análise
A geopolítica da polémica entre o pão de Angola e o chanceler alemão
Café com pão e arroz com feijão são o funje da mesa dos brasileiros. Sempre que viajamos, fazemos questão de oferecer à família produtos da terra como feijão, fuba e, desta última vez, ofereci café. Coincidentemente, uma semana antes do pão angolano entrar na rubrica Internacional, uma dessas pessoas presenteadas pediu que eu lhe oferecesse pão. O pão de Angola que uma vez ela já comeu e sentia saudade.
Achei interessante fazer esta contextualização diante de toda polémica envolvendo o chanceler alemão, Friedrich Merz e o alimento diário da mesa dos angolanos, o pão. Longe de ser uma fala “inocente e espontânea”, um rápido olhar para o vídeo mostra algo totalmente diferente. Um cenário cuidadosamente montado. Uma fala anteriormente ensaiada e o pão de Angola surge apenas como o elemento a ser citado dessa vez, num contexto que vai muito além da preferência por pães.
Recentemente, o chanceler Merz envolveu-se em outra polémica, Desta vez, com o Brasil. Ao regressar da COP30, que decorreu em Belém, estado brasileiro do Pará, o político teceu comentários depreciativos em relação a cidade, o que gerou uma onda de indignação entre os brasileiros, que obrigou o Governo alemão a pedir oficialmente desculpas àquele país sul-americano.
Nascido em 11 de Novembro de 1955, Joachim-Friedrich Martin Josef Merz é chanceler da Alemanha desde Maio de 2025 e líder da União Democrata Cristã (CDU), desde Janeiro de 2022.
Na estrutura política alemã, o chanceler actua como chefe de governo e lidera as actividades políticas e administrativas do dia-a-dia, enquanto o presidente é o chefe de Estado com uma função predominantemente cerimonial.
O papel exercido por Merz equivale ao de primeiro-ministro, actua como o chefe do poder executivo e da política. Por sua vez, o presidente representa o país internacionalmente, mas não participa da gestão diária do governo. Governo este, que está a se debater contra uma estagnação e recessão inéditas desde o início dos anos 2000.
A maior economia da Europa e uma das mais poderosas do mundo, enfrenta hoje desafios como estagnação e contração do Produto Interno Bruto, preços de energia elevados, parte por conta da guerra na Ucrânia, que têm pesado sobre a produção industrial, além da burocracia.
Por dois anos consecutivos (2023 e 2024), a economia alemã tem encolhido. Em 2024, a dívida do governo alemão era de aproximadamente 62,4% do PIB.
Nas eleições federais de 23 de Fevereiro de 2025, a CDU ficou em primeiro com 28,5% dos votos e Merz foi encaminhado para ser o novo chanceler. Esta foi a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que a maioria absoluta não foi formada na primeira votação, levando o governo a ter que fazer uma coalizão com o Partido Social-Democrata (SPD).
Com esses resultados, sem ter muita margem de manobra devido o impacto na Europa da Guerra Rússia-Ucrânia, Josef Merz, “tem explorado uma retórica de superioridade cultural alemã, que, embora não seja nazista, toca em nervos históricos perigosos e ressoa em sectores que alimentam nostalgias identitárias”.
Diante deste cenário, o actual chanceler tem construído uma narrativa de superioridade em relação aos demais povos. através do controlo interno da informação difundida, trabalhando com o imaginário de superioridade alemão.
Na geopolítica não há pães, nem chancelers, há peças movidas de acordo com o cenário político mundial. E, neste momento, tudo que Merz precisa é de se agarrar em algo, construindo uma narrativa de autoridade para retomar os trilhos do crescimento económico. Não é sobre pães e gostos culinários. É sobrevivência e o que se pode ser usado para manter-se no poder.
