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Análise

A crise da diplomacia e a nova Era da Geopolítica das Redes Sociais

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Por Adalberto Malú e Fabiana André 

Eram quase 2h da madrugada em Angola, 20h em Washington. Como que em sincronia, os canais geopolíticos começaram a abrir lives destacando mais um anúncio feito por Donald Trump no X, antigo Twitter. Era o ataque dos Estados Unidos ao Irão, mais uma bomba do presidente norte-americano a romper com todos os canais diplomáticos e a consolidar a nova era, a da Geopolítica das Redes Sociais.

Trump defendeu em sua campanha que acabaria com a guerra na Ucrânia em 24 horas, caso eleito. Discurso este alterado tão logo tornou-se inquilino da Casa Branca. E não só não conseguiu apaziguar os ânimos no leste Europeu como também intensificou outras guerras, no Médio Oriente (Irão-Israel) e em África (tensões no Sudão e na Somália).

Hoje, o mundo debate-se com mais de 70 conflitos armados que tiveram uma escalada nos últimos 5 anos, com números alarmantes de vítimas, como 75 mil na Ucrânia, 26 mil em Gaza, 61 mil no Sudão, 15 mil na Etiópia (Amhara), além de milhares em Myanmar, República Democrática do Congo, e tensões como Irão-Israel e Índia-Paquistão, que acabam por levantar questões profundas sobre a eficácia da diplomacia contemporânea.

Na esfera internacional, com a eleição de Donald Trump para o seu segundo mandato, domina a Geopolítica da Força, onde instituições como a Organização das Nações Unidas, ou mesmo o próprio Conselho de Segurança da ONU, estão esvaziadas.

Isso para não se falar na presidência sul-africana no G20, vista como uma oportunidade para trazer à esfera internacional debates sobre os desafios dos povos africanos, bem como uma maior responsabilização das potências em relação a apoios aos conflitos existentes em África, que foi totalmente esvaziada com uma entrada de Donald Trump em defesa de alegados africâners que estariam a ter as suas terras usurpadas pelo Governo de Ramaphosa.

1. O Fim da Diplomacia?

A diplomacia, enquanto prática institucionalizada de mediação, não está morta, mas enfrenta uma crise de legitimidade e eficácia. Os 59 conflitos armados de 2023, o maior número desde 1946, e as 160 mil mortes em 2024 evidenciam um sistema internacional fragmentado, onde fóruns multilaterais como a ONU, bloqueada por vetos no Conselho de Segurança, a OMC, paralisada na arbitragem, e as COPs climáticas, sem capacidade executiva, falham em gerir crises.

A Declaração dos BRICS sobre o conflito Israel-Irão, emitida a 24 de Junho de 2025, condena ataques sem nomear os EUA ou Israel, ilustrando a retórica cautelosa que evita confrontos directos, mas carece de impacto prático. A diplomacia sobrevive na forma, mas agoniza nos resultados, reduzida a declarações genéricas enquanto conflitos escalam sem mediação efectiva.

2. O Poder da Palavra na Era da “Diplomacia das Redes Sociais”

A ascensão da “diplomacia de X”, caracterizada por tweets, stories e reels, transformou a comunicação diplomática, mas esvaziou o poder da palavra. Líderes como Trump utilizam plataformas digitais para projectar narrativas (e.g., afirmar que os ataques ao Irão “obliteraram” seu programa nuclear, contrariando evidências da AIEA), enquanto a manipulação algorítmica e o populismo amplificam a beligerância digital.

Esta antidiplomacia, marcada por unilateralismo e retórica inflamada, substitui o diálogo estruturado por gestos performativos. A palavra ainda tem potencial, como visto no cessar-fogo Israel-Irão mediado por Trump em 24 de Junho de 2025, mas a sua eficácia é limitada quando não acompanhada por compromissos concretos ou quando fóruns internacionais silenciam, como na RDC ou no Sudão.

Aqui vale abrirmos um parênteses para destacar o quanto esta nova diplomacia encontrou um terreno fértil, devido o uso de Inteligência Artificial utilizada para filtrar interesses e entregar “o mundo que o utilizador quer viver”, criando assim perigosas bolhas de realidade e abrindo espaço para a proliferação de discursos que nada abonam a vida social. Algoritmos de IA, como os que impulsionam o X, amplificam narrativas polarizadas, reforçando divisões e dificultando consensos. Por exemplo, a disseminação de desinformação sobre o conflito Irão-Israel, alimentada por contas automatizadas, intensifica tensões sem espaço para diálogo racional.

3. Quando os Fóruns Falham e as Armas Decidem

Quando os fóruns de diálogo falham, como na Ucrânia, Gaza ou Irão, e as armas prevalecem, a diplomacia revela sua fragilidade histórica. A Teoria dos Jogos explica isso: a cooperação nem sempre é racional quando actores percebem maior vantagem na coerção.

Historicamente, a diplomacia serviu para legitimar assimetrias como tratados coloniais ou acordos desiguais e hoje continua a reflectir a lógica de poder zero-sum, onde os mais fortes moldam as regras. A paralisia da ONU, incapaz de actuar em Gaza ou na Ucrânia devido a vetos, e a ineficácia da AIEA em monitorizar o programa nuclear iraniano após a suspensão da cooperação por Teerão exemplificam como o multilateralismo clássico está em colapso. A coexistência de cooperação e coerção na diplomacia torna-se evidente: enquanto os BRICS condenam violações no Médio Oriente, evitam acções concretas, priorizando interesses próprios.

4. O Que Fazer? Caminhos para Ressuscitar a Diplomacia

Para superar esta crise, a diplomacia precisa de uma reinvenção. Primeiramente, deve ser mais inclusiva, incorporando vozes subalternas como as de Estados africanos ou actores não estatais para contrabalançar a hegemonia de potências. O discurso de João Lourenço na Cimeira EUA-África (22-25 de junho de 2025) é um exemplo, ao propor parcerias económicas com base em benefícios mútuos, mas carece de peso se não for acompanhado por influência geopolítica.

Em segundo lugar, a diplomacia deve operar com maior legitimidade e eficácia, superando bloqueios institucionais como os vetos no Conselho de Segurança. Reformas na ONU, como a proposta de expandir o conselho para incluir membros permanentes do Sul Global, poderiam revitalizar sua relevância. Por fim, combater a “diplomacia de X” exige regular a manipulação digital e priorizar canais formais de diálogo, como negociações multilaterais robustas. A regulamentação de algoritmos de IA que amplificam desinformação seria um passo crucial para restaurar o espaço público digital como arena de debate construtivo.

Conclusão

A diplomacia não morreu, mas está gravemente enfraquecida, reduzida a uma retórica esvaziada num mundo onde mais de 70 conflitos armados expõem a primazia das armas sobre o diálogo. O poder da palavra persiste, mas é minado pela beligerância digital e pela paralisia dos fóruns internacionais. A história da diplomacia, marcada por assimetrias e coerção, sugere que a paz sempre foi frágil, mantida por equilíbrios de poder ou medo mútuo.

Para ressurgir, a diplomacia contemporânea deve ser inclusiva, eficaz e capaz de superar a lógica de dominação das potências. Enquanto tweets e armas falam mais alto, cabe aos actores globais de Angola aos BRICS exigir uma diplomacia que não apenas fale, mas transforme a realidade. A intervenção de Trump na África do Sul, ao apoiar narrativas controversas sobre africâners, e sua escalada militar no Irão reforçam a urgência de uma diplomacia renovada, que contrarie a Geopolítica das Redes Sociais e restaure o multilateralismo como ferramenta de paz.

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