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Crónica

O País real precisa de diálogo, não de gogmas

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O perigo, em Angola, nem sempre está na falta de visão. Está, muitas vezes, na convicção absoluta de que já se viu tudo, de que já se sabe tudo, de que já se decidiu tudo. E quando isso acontece, o diálogo desaparece e a realidade passa a ser lida apenas por quem fala mais alto.

Num país jovem, diverso e ainda em construção como o nosso, a cegueira não é apenas física ou técnica. É, sobretudo, social e política. O cego reconhece o limite, pede ajuda, escuta o outro. O fanático, pelo contrário, ignora os limites da própria visão e exige adesão total. Não convida à participação; impõe alinhamento. Não constrói; ocupa.

Angola carrega desafios profundos: desemprego juvenil, custo de vida elevado, dificuldades no acesso à saúde, à educação e à habitação digna. São problemas reais, sentidos no mercado, no transporte, na mesa das famílias. Nenhum destes desafios se resolve com discursos fechados, certezas absolutas ou verdades únicas. Resolvem-se com escuta, humildade e participação colectiva.

O fanatismo, entre nós, não se manifesta apenas na política partidária. Está também no serviço público, quando o chefe não aceita sugestões; na igreja, quando a fé vira instrumento de exclusão; na academia, quando o saber se transforma em arrogância; no bairro, quando a diferença é tratada como ameaça. O fanático não escuta, reage. Não investiga, repete. Não aprende, defende. E Angola não precisa de mais defesa de posições; precisa de soluções.

Há uma verdade dura que precisamos encarar: quanto mais frágil é a base económica e institucional, mais agressivo tende a ser o discurso. Quem vive inseguro grita mais. Quem sente que pode perder espaço, fecha-se ao diálogo. Mas um país não se governa com gritos, nem se desenvolve com imposições. Governa-se com consenso possível e desenvolve-se com participação real.

Angola precisa de todos. Do governante que decide, mas também do cidadão que fiscaliza. Do empresário que investe, mas também do trabalhador que produz. Do académico que analisa, mas também do camponês que sente o impacto das políticas no campo. Do jovem que questiona e do mais velho que partilha experiência. Nenhum grupo, sozinho, enxerga o todo.

A cegueira consciente pode ser resultado de falta de informação, de exclusão histórica ou de dificuldades materiais. Essa pode ser curada com educação, inclusão e políticas públicas eficazes. O fanatismo, porém, é mais perigoso, porque é uma escolha diária de fechar a mente e endurecer o coração. E um país com o coração endurecido não progride; estagna.

É preciso desconfiar de quem nunca duvida de si, de quem transforma opinião em dogma, de quem chama intolerância de convicção e arrogância de firmeza. Angola não precisa de salvadores da pátria nem de donos da verdade. Precisa de cidadãos conscientes, instituições humildes e lideranças capazes de ouvir.

A lucidez nacional começa quando aceitamos que não sabemos tudo e que ninguém governa sozinho. A maturidade colectiva surge quando a verdade deixa de ser arma de combate e passa a ser ponte de entendimento. Só assim conseguiremos transformar as nossas diferenças em força e as nossas fragilidades em oportunidades.

Num país que ainda está a aprender a caminhar com as próprias pernas, enxergar menos e escutar mais pode ser o primeiro passo para ir mais longe  juntos.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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