Análise
Cartão do Estudante Universitário: facilita descontos, mas não financia à Ciência
O anúncio do Cartão do Estudante Universitário, lançado no dia 22 de Outubro, pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, reacendeu o debate sobre o financiamento dos estudos em Angola. Segundo dados divulgados pelo Jornal Expansão, através deste cartão os estudantes poderão solicitar ao Banco de Comércio e Indústria empréstimos até sete milhões de kwanzas para concluírem os cursos de licenciatura. Para o presente ano lectivo, o financiamento deverá abranger apenas cerca de cem estudantes, integrando o Programa de Bolsas de Estudo de Excelência, que já beneficiou trezentos e quarenta e um universitários.
O cartão, desenvolvido pela startup Ombala Invest e financiado pelo Banco de Comércio e Indústria em parceria com a Viva Seguros e o LISPA do Banco Nacional de Angola, custa cinco mil kwanzas e acumula três funções: identidade estudantil, cartão de débito e cartão de descontos comerciais. Pode garantir até cinquenta por cento de desconto em alimentação, materiais académicos, comunicação, transportes, livrarias, seguro escolar, estágios profissionais e lazer.
Contudo, apesar da elevada adesão ao cartão, um dado revela a fragilidade do modelo: nenhum estudante solicitou ainda o crédito de até sete milhões. Os juros de catorze por cento, associados a critérios pouco claros e à incerteza económica, geram cepticismo e receio de endividamento.
Este vazio entre a adesão ao cartão e a não adesão ao crédito é mais do que um problema operacional. É o reflexo da ausência de uma política séria e estruturada de financiamento dos estudos, da investigação e da produção literária em Angola, incluindo a formação académica no exterior do país.
1. Financiar Educação Não é Empréstimo. É Investimento Nacional
Angola não pode continuar a tratar a formação académica como se fosse a compra de um bem de consumo. O crédito estudantil deve ser pensado como investimento de longo prazo, com impacto na produtividade, inovação, governação, urbanização, saúde, agricultura e competitividade nacional.
A juventude angolana não rejeita conhecimento. Rejeita dívidas impagáveis. Num contexto de desemprego juvenil elevado, um crédito com juros comerciais de catorze por cento não constitui solução. Representa obstáculo.
Enquanto países emergentes e desenvolvidos estruturam sistemas de financiamento estudantil com forte intervenção do Estado, Angola tem adoptado uma lógica bancarizada, tímida e pouco ajustada à sua realidade socioeconómica. Além disso, a falta de linhas de financiamento para cursos no exterior limita o acesso a experiências académicas, investigação avançada e networking internacional, essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
2. Modelos Internacionais que Mostram Caminhos Possíveis
Vários sistemas internacionais demonstram que o sucesso do financiamento académico depende do equilíbrio entre Estado, banca e mérito estudantil, com atenção tanto a formações internas quanto externas.
Brasil: FIES, CAPES e CNPq
* Juros muito baixos ou nulos;
* Pagamento após conclusão do curso;
* Bolsas robustas para pós-graduação e investigação, inclusive no exterior;
* Combinação entre banca, Estado e excelência científica.
Portugal: Crédito Universitário com Garantia Estatal
* Estado garante parte da dívida;
* Juros reduzidos;
* Eliminação da exigência de fiadores;
* Apoio a estudantes em programas internacionais de mestrado e doutoramento.
Reino Unido: Student Loans Company
* Pagamento só quando o estudante atinge um rendimento mínimo;
* Incentivo à formação internacional com reconhecimento académico.
África do Sul: NSFAS
* Sistema público de bolsas e créditos subsidiados;
* Financiamento baseado na condição socioeconómica;
* Cobertura de cursos no exterior para áreas estratégicas.
Ruanda e Botswana: Financiamento à Investigação e Publicações
* Fundos nacionais para investigação, inovação tecnológica e literatura;
* Apoio a estudantes e investigadores em programas internacionais.
3. Onde o Modelo Angolano Falha
O Cartão do Estudante Universitário resolve questões administrativas e comerciais, mas não resolve o problema estrutural. Angola carece de uma política nacional integrada de financiamento da produção de conhecimento, incluindo formação académica fora do país.
O país ainda não possui:
* Linhas próprias de financiamento para mestrados e doutoramentos internos e externos;
* Fundos de investigação científica focados em sectores estratégicos;
* Mecanismos de apoio às publicações literárias e científicas;
* Crédito estudantil com juros simbólicos e garantias estatais.
O resultado é evidente: o país forma licenciados, mas não forma investigadores, autores, inovadores e cientistas, e perde talentos que poderiam se especializar no exterior.
4. O que Angola Precisa: Uma Política Nacional de Financiamento do Conhecimento
A solução não é apenas melhorar o Cartão do Estudante Universitário. É criar um sistema nacional de financiamento académico, científico e literário, com cobertura para cursos no exterior, assente em três pilares:
Garantia Estatal Parcial ou Total
Reduz os juros para níveis entre um e cinco por cento.
Linhas Diferenciadas de Financiamento
• Licenciatura: crédito subsidiado
• Pós-graduação: bolsas e co-financiamento, incluindo no exterior
• Investigação: fundos não reembolsáveis
• Publicações: micro-créditos a taxa zero
• Inovação: linhas especiais de fomento
Critérios de Mérito, Impacto e Sector Estratégico
Priorizar saúde, urbanismo, energias renováveis, tecnologias de informação, agricultura inteligente, ambiente, administração pública, turismo e indústria criativa, incluindo áreas estratégicas desenvolvidas no exterior.
5. Conclusão: O Cartão do Estudante Universitário é Inovador, Mas Insuficiente
O cartão constitui um passo positivo, mas não substitui uma política nacional de financiamento académico e científico, nem para cursos nacionais, nem internacionais. Facilita a vida do estudante, mas não financia ciência, pós-graduação, investigação ou literatura.
Para transformar Angola numa nação competitiva, científica e inovadora, é preciso financiar cérebros, dentro e fora do país, e não apenas cartões.
Um país que não financia o conhecimento financia o atraso.
O futuro do desenvolvimento nacional exige tratar a educação, investigação e criação literária como investimentos estratégicos, incluindo o acesso a formação no exterior.
