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Emprego para quem? A polémica da migração e a ilusão da protecção nacional

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A migração acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Contudo, na era da globalização, deixou de ser apenas um movimento espontâneo de povos e passou a ser um fenómeno estruturante das sociedades contemporâneas. Castles e Miller (2009) descrevem a migração como um dos pilares da “era das migrações”, sublinhando que nenhum Estado moderno pode ignorar os impactos deste processo nos mercados de trabalho, nas políticas públicas e na coesão social.

Em Angola, país que enfrenta taxas elevadas de desemprego juvenil e desafios estruturais na diversificação da economia, o debate sobre políticas migratórias deve ser abordado com cautela. Existe uma tensão evidente: por um lado, a necessidade de proteger o emprego nacional; por outro, o risco de que medidas de regulação descambem em xenofobia, transformando o estrangeiro em bode expiatório das dificuldades internas.

1. Migração, emprego e protecção social

Sassen (2016) aponta que a mobilidade internacional de trabalhadores é cada vez mais marcada por assimetrias: países ricos atraem mão-de-obra qualificada, enquanto países em desenvolvimento muitas vezes recebem trabalhadores informais, sem regulação adequada. Essa dinâmica pode fragilizar a protecção dos nacionais, mas também gerar tensões sociais se não for gerida de forma equilibrada.

Um exemplo positivo encontra-se no Canadá, cujo sistema de pontos privilegia a entrada de estrangeiros qualificados que complementam o mercado interno (Papademetriou & Sumption, 2011). Ao mesmo tempo, investe-se fortemente na capacitação de cidadãos locais, para que a mão-de-obra estrangeira não seja percepcionada como concorrência directa, mas como suporte ao desenvolvimento.

Na União Europeia, o Labour Market Test (Ruhs & Vargas-Silva, 2015) é outro exemplo de política que protege o trabalhador nacional: antes de contratar um estrangeiro, a empresa deve comprovar que não encontrou candidatos entre cidadãos nacionais ou comunitários. Trata-se de um mecanismo técnico, baseado em provas objectivas, e não em preconceitos.

2. Experiências africanas: quotas e capacitação

Em África, países como Angola e Moçambique têm aplicado políticas migratórias que ligam a entrada de estrangeiros à obrigatoriedade de formação de nacionais. Araújo (2019) explica que, nos sectores petrolífero e mineiro, empresas são obrigadas a reservar uma percentagem mínima de postos para cidadãos locais e a implementar programas de transferência de competências.

Apesar das dificuldades de fiscalização, este modelo é um exemplo de segurança migratória inclusiva, pois combina protecção ao emprego nacional com abertura controlada à mão-de-obra estrangeira. O risco, contudo, reside na falta de transparência: se estas políticas não forem acompanhadas de uma comunicação clara e de fiscalização efectiva, podem gerar percepções de injustiça, alimentando sentimentos xenófobos.

3. O risco da xenofobia nas políticas migratórias

Baeninger (2018) sublinha que políticas migratórias demasiado restritivas podem cair em discursos xenófobos, principalmente quando são comunicadas de forma populista. Em contextos de crise económica, é comum que o estrangeiro seja visto como “invasor” ou “ladrão de empregos”. Held (1995) alerta que tais narrativas são perigosas, pois desviam a atenção das causas estruturais do desemprego, como falhas na educação, na diversificação produtiva e na gestão económica — e transferem a culpa para o migrante.

Este fenómeno não é exclusivo de Angola. Na África do Sul, por exemplo, a tensão entre nacionais e estrangeiros resultou em episódios de violência xenófoba contra imigrantes zimbabueanos e moçambicanos, acusados de roubar empregos locais. Tais acontecimentos demonstram que políticas migratórias mal geridas podem degenerar em crises sociais.

Assim, é crucial que Angola evite esse caminho, construindo políticas de segurança migratória que promovam ordem e inclusão, sem alimentar preconceitos.

5. Segurança migratória: equilíbrio e prevenção

A segurança migratória deve ser entendida como um pilar da governação do trabalho. Não se trata de fechar fronteiras, mas de regular entradas, priorizar o nacional e garantir direitos para todos. Isso implica:

Protecção do trabalhador nacional, através de quotas, preferências legais e programas de reconversão profissional;

Regulação transparente da contratação de estrangeiros, com critérios claros e verificáveis;

Campanhas públicas contra a xenofobia, explicando que a política migratória é um mecanismo de equilíbrio, não de exclusão;

Transferência obrigatória de competências, para que cada contrato de estrangeiro seja também uma oportunidade de capacitação para angolanos;

Integração social, garantindo que os migrantes autorizados a trabalhar possam fazê-lo em condições dignas, evitando a criação de guetos de exclusão.

A experiência da Alemanha, com a formação dual (Köhler & Kruppe, 2012), mostra que a regulação pode ser inclusiva: admite estrangeiros em sectores carentes, mas investe ao mesmo tempo na capacitação dos nacionais, evitando a percepção de substituição.

5. O desafio angolano

Em Angola, proteger o emprego nacional pela segurança migratória exige enfrentar duas dimensões simultâneas:

1. Económica – garantir que o desemprego estrutural não seja agravado por contratações externas desnecessárias;
2. Social – prevenir que a frustração social se transforme em xenofobia, responsabilizando injustamente o estrangeiro por problemas que são de base estrutural.

Assim, políticas migratórias angolanas devem ser comunicadas com clareza à população, explicando que não visam hostilizar estrangeiros, mas sim priorizar e valorizar o trabalhador nacional. Se não houver essa pedagogia política, corre-se o risco de transformar uma medida de protecção em instrumento de divisão social.

Portanto, como bem refere Appadurai (2004), a modernidade globalizada coloca-nos perante o desafio da diversidade. Gerir a migração é gerir também a convivência entre culturas, interesses económicos e direitos humanos. No caso angolano, o caminho passa por políticas migratórias que combinem segurança e inclusão, protegendo o emprego nacional sem alimentar ressentimentos.

Proteger o emprego nacional pela via da segurança migratória não é levantar muros contra o estrangeiro, mas construir pontes regulatórias, capazes de ordenar fluxos, fortalecer competências locais e prevenir a xenofobia. Ao contrário do que sugerem discursos populistas, não é o migrante que rouba emprego, mas sim a ausência de políticas públicas robustas que abre espaço para exclusão e conflitos.

Portanto, a verdadeira segurança migratória para Angola deve significar: mais emprego para nacionais, mais capacitação, mais justiça social e menos preconceito.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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