Opinião
Partidos da oposição sem antena, democracia sem frequência
1. A Comunicação como Pilar da Democracia
A comunicação social é uma das estruturas centrais do edifício democrático. Em qualquer sociedade que se pretenda livre, justa e plural, os meios de comunicação não apenas transmitem notícias, mas constroem discursos, moldam percepções e formam consciências. Como observa Manuel Castells (2009), “a política, hoje, é largamente um jogo de comunicação”. Isto é particularmente verdadeiro em Angola, onde os media têm sido historicamente usados como instrumentos de controlo político, e não como plataformas de diálogo nacional.
A democracia exige visibilidade e voz para todos os actores sociais, especialmente os partidos políticos da oposição, pois representam parcelas significativas da população. Sem essa visibilidade, a democracia torna-se uma formalidade sem substância, onde eleições ocorrem, mas a liberdade de escolha é artificialmente limitada.
2. A Realidade Mediática Angolana: Um Espaço Ainda Desequilibrado
Apesar dos avanços registados desde o fim do conflito armado e com a consagração da liberdade de imprensa na Constituição da República de Angola (CRA), persistem práticas que comprometem seriamente a democratização do espaço mediático. Os principais meios públicos de comunicação – como a TPA (Televisão Pública de Angola), a RNA (Rádio Nacional de Angola) e o Jornal de Angola – continuam sob forte influência do partido no poder, o que se reflete na cobertura desproporcional das actividades governamentais e na marginalização sistemática da oposição.
Este desequilíbrio foi diversas vezes denunciado por observadores internacionais e pela sociedade civil. A falta de cobertura equitativa retira aos partidos da oposição a oportunidade de se expressarem, reduz a competição política e impede que o cidadão tenha acesso a diferentes perspectivas. Giovanni Sartori (1997) é claro ao afirmar que “sem alternância e competição efectiva, não há democracia, apenas uma aparência de liberdade”.
3. Representatividade e Direitos Fundamentais dos Cidadãos
Negar o espaço mediático às forças da oposição é, em essência, uma violação do direito dos cidadãos à representatividade. A comunicação social tem o dever de espelhar a diversidade de opiniões, ideologias e propostas que existem numa sociedade democrática. Ao invisibilizar determinados actores políticos, está-se a suprimir não apenas a sua voz, mas a voz dos cidadãos que neles depositam a sua confiança e esperança.
Pierre Bourdieu (1996) defende que “ter acesso à palavra pública é um privilégio político, é uma forma de poder simbólico”. Logo, o silêncio imposto pela exclusão mediática não é neutro – é um acto de poder. É, também, um atentado ao pluralismo político e à soberania popular.
4. A Visibilidade como Capital Político: O Marketing em Cena
A visibilidade é um dos principais recursos no mercado político. Como ensina o marketing, “quem não é visto, não é lembrado”. Esta máxima, atribuída a David Ogilvy, traduz de forma clara a lógica do consumo de imagens e mensagens políticas. Em Angola, onde a presença constante nos meios de comunicação ainda é um privilégio do poder instalado, a oposição vê-se frequentemente ausente da arena pública – não por falta de propostas, mas por falta de oportunidade de exposição.
Contudo, há que considerar que a tentativa de invisibilizar um actor político pode surtir o efeito contrário. Quando um partido ou figura política é sistematicamente excluído, pode ser visto como vítima do sistema, ganhando simpatia e força simbólica. Hannah Arendt (1963) advertia que “em regimes onde a palavra é controlada, o silêncio torna-se a maior forma de resistência”. Assim, a exclusão mediática, em vez de neutralizar, pode provocar ondas de mobilização contrária.
5. O Papel Emergente das Redes Sociais e da Comunicação Alternativa
Apesar da hegemonia dos meios públicos tradicionais, as redes sociais e outras plataformas digitais vêm-se afirmando como espaços alternativos de expressão e resistência. Em Angola, onde a maioria da população é jovem e conectada, estas ferramentas têm sido fundamentais para romper o silêncio e dar visibilidade a vozes críticas e a propostas alternativas.
Contudo, estas plataformas não substituem o papel institucional da comunicação social. A sua força é importante, mas ainda limitada em alcance e influência sobre certos segmentos da sociedade. O desafio é criar uma comunicação pública plural, profissional e independente, onde todas as forças políticas possam debater em igualdade de condições.
6. Por Uma Comunicação Pública Democrática e Inclusiva
Para que Angola avance na sua trajectória democrática, é imprescindível reconfigurar a comunicação social, sobretudo os meios públicos, como espaços de cidadania e de debate plural. Isso requer vontade política, reforma legislativa e investimento na formação ética e técnica dos profissionais da comunicação.
Amartya Sen (1999) lembra-nos que “uma imprensa livre é a sentinela da democracia”. E essa liberdade só se realiza quando é acompanhada da garantia de acesso equitativo, do respeito à diversidade de pensamento e da autonomia editorial.
7. Conclusão: Sem Voz, Sem Escolha
A comunicação social, quando utilizada de forma justa, desempenha o papel de catalisador da democracia, contribuindo para o fortalecimento da cidadania, da confiança nas instituições e da legitimidade do poder político. Em Angola, negar espaço mediático à oposição é negar ao povo a plenitude da sua soberania.
Uma democracia sem espaço para a oposição é uma democracia sem frequência, sem antena, sem verdade.
É tempo de devolver os microfones à diversidade e permitir que todas as vozes possam, finalmente, ser ouvidas.
