Opinião
Zumbis sociais e a ilusão da meritocracia: como mudar esta mentalidade?
Em Angola, a crença na meritocracia é frequentemente repetida nos discursos políticos e empresariais, mas a realidade demonstra que o sucesso ainda depende, em grande medida, das condições socioeconómicas de origem. O acesso desigual à educação de qualidade, ao crédito para empreendedores e às oportunidades no mercado de trabalho impede que muitos consigam prosperar apenas pelo esforço individual. No meio deste cenário, surge uma figura preocupante: o zumbi social, um indivíduo alienado, conformado e incapaz de questionar as estruturas que limitam a verdadeira meritocracia.
A narrativa dominante ensina que basta esforço para alcançar o sucesso, mas esta ideia desconsidera as barreiras impostas por uma realidade desigual. A educação precária, a falta de acesso a redes de influência e a ausência de políticas públicas eficazes fazem com que muitos nunca tenham a oportunidade de competir de forma justa. No entanto, o zumbi social aceita esta falácia sem questionamento. Ele acredita que aqueles que não prosperam simplesmente “não tentaram o suficiente”, ignorando as engrenagens que favorecem alguns e excluem muitos.
A alienação digital intensifica este problema. O excesso de entretenimento superficial e a hiperconectividade às redes sociais mantêm as pessoas distraídas, incapazes de perceber como as suas vidas são moldadas por decisões políticas e económicas. Em vez de exigir transparência, reformas e oportunidades iguais, o zumbi social consome conteúdos vazios e satisfaz-se com pequenas recompensas instantâneas. Ele não questiona, não cobra e, pior, muitas vezes defende o próprio sistema que o mantém preso.
Como Mudar esta Mentalidade?
Despertar do estado de zumbi social e combater a ilusão da meritocracia exige mudanças profundas na forma como pensamos e agimos como sociedade. Algumas estratégias podem ser adoptadas para transformar esta realidade:
1. Educação Crítica e Formação para a Cidadania
Paulo Freire (1987) já alertava que a educação deve ser um instrumento de libertação e não de conformismo: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.” Para mudar a mentalidade social, é essencial investir numa educação que estimule o pensamento crítico, a análise dos sistemas de poder e a participação cidadã.
2. Promoção da Igualdade de Oportunidades
O sociólogo Pierre Bourdieu (1986) demonstrou como o “capital cultural” influencia o sucesso dos indivíduos na sociedade. Crianças de famílias privilegiadas têm acesso a uma educação melhor e a redes de influência que facilitam a sua ascensão. Para reverter esta lógica, é necessário investir em políticas públicas que garantam acesso equitativo à educação e ao mercado de trabalho.
3. Uso Consciente da Tecnologia e Combate à Alienação Digital
Zygmunt Bauman (2017) destacou como a modernidade líquida transformou a maneira como nos relacionamos com a informação: “Vivemos tempos de excesso de informação e escassez de pensamento.” O combate ao zumbi social passa por incentivar um uso mais crítico da tecnologia, promovendo a valorização de conteúdos educativos e debates sobre temas que afectam a sociedade.
4. Fomento à Cultura do Protagonismo Social
Karl Marx (1844) já denunciava a alienação do trabalhador na sociedade capitalista, onde o indivíduo perde a consciência do seu papel na transformação social. O desafio actual é resgatar esta consciência e incentivar o protagonismo nas decisões políticas e económicas. Mobilizações populares, participação em conselhos comunitários e empreendedorismo social são formas de fortalecer esta mudança.
5. Revisão do Modelo Económico e do Trabalho
Thomas Piketty (2014), na sua obra O Capital no Século XXI, demonstrou que o acúmulo de riqueza nas mãos de poucos compromete a mobilidade social. Reformas fiscais, incentivo ao empreendedorismo e políticas de redistribuição de renda são medidas fundamentais para garantir que a meritocracia deixe de ser apenas um discurso e se torne uma realidade.
Portanto, a verdadeira meritocracia só pode existir quando há igualdade de oportunidades desde a base, e não apenas no discurso. Enquanto a educação de qualidade, o acesso ao financiamento e a participação política forem privilégios restritos a poucos, a maioria continuará presa a um ciclo de exclusão e conformismo. O desafio não é apenas reconhecer esta realidade, mas agir para transformá-la.
O combate ao zumbi social passa pela promoção da educação crítica, pelo incentivo ao protagonismo cidadão e pela criação de políticas públicas que reduzam desigualdades estruturais. Como alertava Paulo Freire, “A educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
O despertar desta mentalidade exige esforço colectivo. Significa questionar narrativas superficiais, desafiar sistemas que perpetuam privilégios e, acima de tudo, assumir um papel activo na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. A grande questão que se impõe é: vamos continuar como espectadores passivos ou assumiremos o protagonismo da mudança? O futuro não será moldado por quem se conforma, mas por aqueles que decidem agir.