Politica
“Visita de João Lourenço aos EUA pode significar um novo reposicionamento internacional”
Com uma agenda oficial já divulgada, tanto por Luanda como por Washington, os presidentes João Lourenço e Joe Biden reúnem-se esta quinta-feira, 30, na Casa Branca. Sobre o assunto, o analista político Walter Ferreira concedeu uma entrevista exclusiva ao Correio da Kianda.
Os bastidores, antecedentes, diplomacia, reformas efectuadas pela governação de João Lourenço, dentre outros assuntos, nortearam a conversa, que ressalta ainda a importância da visita do presidente angolano aos Estados Unidos da América – o actual maior investidor estrangeiro no país.
O impacto deste encontro nas relações com a Rússia e a China também foi um dos assuntos abordados.
Leia abaixo a entrevista na íntegra
Dois meses após a visita do Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, a Luanda, temos a confirmação de um encontro na Casa Branca entre João Lourenço e Biden. Pensa que essa visita teve alguma contribuição?
Foi um verdadeiro sinal de aproximação ao Estado angolano e ao executivo liderado pelo presidente João Lourenço. Estamos a falar de uma figura importante na administração do presidente norte-americano Joe Biden. No entanto, por ser o secretário de Defesa, as questões estiveram ligadas ao investimento nas forças armadas, capacitação dos quadros, cooperação e modernização das forças armadas, mudanças climáticas e o seu impacto na segurança, foram os assuntos de interesse para os EUA.
Qual impacto dessa visita?
Foi pela primeira vez que veio a Angola um secretário de Defesa da maior potência do mundo, os EUA para reforçar as parcerias e aumentar a segurança regional no continente Africano. Fica por aqui claro a importância da visita do Secretário de Defesa, Lloyd Austin. Qualquer tipo de investimento privado estrangeiro precisa de encontrar estabilidade, os EUA procuram desenvolver os seus interesses económicos, financeiros e comerciais, olhando sempre no pilar da estabilidade, e ela significa segurança – um elemento para proteger os negócios.
Segundo dados da AIPEX, os EUA são hoje o maior investidor estrangeiro no país. Acredita que isso tem sido determinante para uma maior aproximação da governação de João Lourenço a Washington?
Foi realmente determinante. Estamos numa viragem entre o passado e um novo presente. O passado de uma economia planificada, para uma economia que seja verdadeiramente de mercado. João Lourenço, fez uma reposição aos interesses e os interlocutores, procurando ficar mais comprometido com os desafios da economia privada, lutando pelo paradigma do passado de uma economia paternalista.
O discurso do presidente João Lourenço tem estado mais próximo aos EUA?
Sim. O discurso político de João Lourenço tem estado mais próximo dos Estados Unidos da América, um discurso virado para o incentivo ao sector privado, ao investimento e a promoção da transparência como elemento fundamental para o investimento privado estrangeiro. João Lourenço faz coincidir dois elementos primordiais: Estado de Direito e economia privada, uma lógica que interessa aos EUA.
O encontro entre os dois estadistas ocorre quase um ano após a Cimeira EUA-África em que estava previsto um momento a sós entre os dois líderes políticos, que, entretanto, não ocorreu.
Aquando da Cimeira EUA-África não houve de nenhuma das partes diligências para que ocorresse o encontro, nem sequer estava previsto tal encontro. Em nenhum momento foi confirmado este encontro, nem pela imprensa internacional ou doméstica. Portanto, houve uma tentativa de desvalorizar a importância da presença do presidente João Lourenço, algo muito comum na estratégia de descrédito e negação dos esforços que a nossa diplomacia tem feito com êxitos.
Quais assuntos dessa cimeira podem estar sobre a mesa da reunião desta quinta-feira, na Casa Branca?
Acredito que os dois estadistas poderão abordar muitas questões sobre o continente africano, Angola posiciona-se como uma potência estratégica em ascensão, disse o secretário de Defesa norte americano Lloyd Austin, aquando da visita a Angola. Do ponto de vista político, Joe Biden recebeu informação detalhada do seu secretário para a Defesa, isto acaba por facilitar na cadeia de percepção do presidente norte-americano. Os pontos da reunião entre João Lourenço e Joe Biden, foram divulgados tanto pelos serviços de apoio da Presidência da República angolana, como da Casa Branca. Os assuntos a serem conversados estão ligados ao investimento, energia, o Corredor do Lobito e outros de natureza económica, um facto relevante para Angola poder capitalizar com este encontro. De ressaltar, que João Lourenço desde o início do seu mandato tem procurado realizar reformas, reformas na desburocratização do acesso aos serviços públicos para facilitar na eficácia da economia.
Entretanto, tal aproximação não tem sido vista com bons olhos pela Rússia, que enviou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, no início do ano, para “lembrar” da irmandade entre ambos os países. Essa visita pode significar um rompimento total com Moscovo?
A visita de João Lourenço aos Estados Unidos da América, pode significar um novo reposicionamento internacional. O mundo ganhou novos actores e novos interesses. Isto não significa cortar relações com a federação russa, pois, os Estados reposicionam os seus interesses. Vejamos o seguinte: que tipo de investimento na economia a Rússia fez para Angola, o investimento não pode ser securitário, na lógica da economia dos Estados vigiados como chamou JOSH CHIAN. Disse em algum momento desta nossa conversa, que, João Lourenço tem o foco nas reformas, dissemos aqui sobre o pensamento destas reformas.
Os russos apoiam essas reformas de João Lourenço?
A resposta pode ser interpretada pelos sinais que ambos os Estados dão. Reitero, dizendo que estamos na era dos “generais do desenvolvimento”, como disse o próprio João Lourenço numa reunião do seu partido. Os “generais do desenvolvimento”, subentendemos aposta no futuro, o futuro é mesmo agricultura, comércio, economia de mercado para gerar riqueza. Quando o executivo angolano fala em reduzir o Estado da actividade económica, será que esse discurso fica mais próximo da Rússia ou dos EUA?
A China está há cerca de quatro meses sem embaixador em Angola. Pode ser, igualmente, uma demonstração de descontentamento com tal aproximação?
As relações entre Angola e a China datam por longos anos, razão de uma longa história, 40 anos de uma relação com muito potencial em crescimento. Depois da paz em 2002, o Estado angolano obteve financiamentos para o processo de reconstrução nacional, tivemos a mão-de-obra chinesa em Angola por muitos anos, aliás, continuamos de alguma forma com muitas empresas chinesas de construção civil em alguns sectores da nossa economia. Angola tornou-se o maior parceiro comercial da China em África, com o comércio bilateral atingindo uma soma de 25,3 bilhões de USD e mais de 700 mil barris de petróleo por dia, em 2008, tornando-se o maior fornecedor chinês. Assim, a projecção da China baseia-se na sua imensa capacidade económica para financiar o crescimento de Angola. Com todo este histórico podemos achar imprudente não existirem boas relações económicas, comerciais e diplomáticas com a República Popular da China. Podemos estar a assistir novas formas de interesses como dizia mais atrás, reafirmo, um novo paradigma de reposicionamento da liderança de João Lourenço. A luta pela corrupção teve no passado o apadrinhamento de grupos económicos de grandes empresas chinesas. João Lourenço não deixou de receber empresas de financiamento chinês, temos assistido pela comunicação social, Joe Biden teve um encontro com o Xi Jinping, presidente da China. Portanto, acredito na possibilidade de ultrapassarem esteve incidente diplomático.
Sobre o posicionamento de Angola em relação a guerra entre Israel e o Hamas, pensa que o governo Biden poderá pressionar para um maior apoio de Luanda a Israel?
Não acredito que o presidente Joe Biden pressione João Lourenço sobre este assunto, não tem importância objectiva para ambas relações – EUA e Angola. Angola abordou este conflito Israelo – Palestino, por ocasião do discurso de abertura da 147ª Assembleia da União Interparlamentar. João Lourenço, na condição de Presidente da República, foi exaustivo, apelando aos beligerantes que procurassem as reais causas que levaram a guerrear. Aliás, a posição do Secretário Geral da ONU não ficou distante da narrativa de João Lourenço, pois ambos consideram desproporcional a reacção militar de Israel, aludindo às condições precárias do Estado da Palestina, que há mais de 50 anos vê a sua autonomia negada pelas potências mundiais. Felizmente, temos acompanhado o cessar-fogo entre Israel e o Hamas, que, inclusive, tem libertado alguns prisioneiros. Pode ser um caso extemporâneo do ponto de vista de assunto relevante para a reunião entre Joe Biden e João Lourenço.
Pensa que poderá haver alteração de posicionamento em relação à guerra na Ucrânia?
Em relação à guerra na Ucrânia, podemos apenas reiterar a opção do Estado Angolano em apoiar a Ucrânia, uma opção que foi mais próxima da administração Biden.
A aproximação de João Lourenço a Biden teve início no segundo semestre de 2022, com o apoio dos Estados Unidos à reeleição do presidente angolano, num momento que o líder do maior partido político na oposição, a UNITA, Adalberto Costa Júnior, seguia o mesmo passo…
Quanto ao processo eleitoral, tivemos a reeleição do presidente João Lourenço, lembramo – nos da dificuldade por parte da oposição em aceitar os resultados eleitorais, dizia-se que os EUA não iriam reconhecer os resultados definitivos por violação da legislação eleitoral, procedimentos violados e uma legitimidade duvidosa por parte do partido vencedor, MPLA. Tudo passou e agora vem o reconhecimento dos EUA, o seu interesse em lidar com quem exerce o poder político. Os acordos bilaterais são feitos entre os Estados, era pouco provável não haver interesse nos EUA em estabelecer relações com o Executivo de João Lourenço. Quem pode practicar os actos de governação e vincular nas relações internacionais só pode ser João Lourenço, ele conduz o Imperativo do poder político.
Há rumores que o encontro em Washington seria resultado de lobby…
Dizer que o Executivo terá pago uma empresa para o encontro de João Lourenço e Joe Biden, acho sensacionalista tal afirmação, os Estados interagem por vontade própria, ambos são homólogos e desenvolveram de forma convergente as suas políticas. O assunto do lobby retira racionalidade ao debate, uma vez que os pontos estão numa agenda, Biden, presidente dos EUA, vai reunir com João Lourenço por interesse próprio. Aplicar a possibilidade de ter havido lobby para esta reunião, faz ignorar por má fé ou desconhecimento, o funcionamento normal dos órgãos diplomáticos, inclusive os actos praticados pelo direito internacional de cada Estado.
Essa visita pode reflectir de forma positiva na economia angolana?
Pode sim, reflectir de forma positiva na economia angolana, reforça o peso de Angola para conseguir atrair mais investimento, sendo o comércio fundamental para o crescimento económico e desempenha um papel crucial para alcançar a meta do Executivo angolano de maior diversificação económica.
Actualizada às 11h36
José Inocêncio
01/12/2023 em 12:38 am
Esperamos que este encontro seja o ponto de partida para uma nova Angola e bem-estar para todos nós!🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏