Opinião
Venda de sangue em Angola: uma crise social e de saúde pública
Em Angola, o sangue, que deveria ser símbolo de vida e solidariedade, tornou-se uma mercadoria negociada no mercado informal. A crise económica e a falta de incentivos à doação voluntária impulsionaram uma prática clandestina que coloca em risco a saúde pública e expõe a vulnerabilidade social do país.
Nos últimos anos, o desemprego elevado, a escassez de recursos e a inexistência de políticas públicas eficazes têm levado muitos angolanos, especialmente jovens, a recorrer à venda de sangue como uma forma de sobrevivência, frequentemente ignorando os riscos para a saúde e a legalidade da prática.
O Decreto Presidencial n.º 281/14, de 30 de Setembro de 2014, que criou o Instituto Nacional de Sangue (INS), estabelece que a doação de sangue deve ser um acto voluntário, altruísta e sem fins lucrativos. No entanto, a realidade no país tem demonstrado que a falta de campanhas regulares de sensibilização, a desconfiança em relação ao sistema de saúde e a ausência de incentivos concretos para os dadores levaram ao crescimento de um mercado paralelo, onde o sangue passou a ser tratado como uma mercadoria.
A prática de vender sangue, embora ilegal, tornou-se uma solução de subsistência para muitos angolanos em situação de extrema necessidade. Esta realidade, além de expor a fragilidade do sistema de saúde, representa riscos graves à saúde pública. A venda frequente de sangue compromete a saúde dos dadores, especialmente quando não há acompanhamento médico adequado, e pode resultar na transfusão de sangue contaminado, colocando em risco a vida dos pacientes.
A crescente comercialização clandestina de sangue exige que o Governo, as instituições de saúde e a sociedade civil adoptem medidas urgentes para reverter este quadro. A implementação de campanhas educativas, a criação de incentivos para dadores regulares e o reforço da fiscalização dos bancos de sangue são medidas fundamentais para combater a venda ilegal de sangue e fortalecer a cultura de doação voluntária em Angola.
Este artigo explora a problemática da venda de sangue em Angola, destacando os factores que contribuem para a sua persistência, os riscos associados e as possíveis soluções para garantir um abastecimento seguro e sustentável nos bancos de sangue. Experiências de países como Brasil, Alemanha e África do Sul demonstram que é possível construir sistemas eficientes de doação quando há um compromisso sério do Estado e da sociedade. Angola tem a oportunidade de aprender com essas experiências, adotando políticas públicas que respeitem a dignidade humana e promovam a solidariedade.
Venda de Sangue em Angola: Contexto e Impactos
De acordo com uma reportagem da Deutsche Welle (DW), nas províncias do Cuando e Cubango, no sudeste de Angola, cidadãos têm denunciado a crescente prática de doação de sangue mediante compensação financeira, apelando ao Governo para tomar medidas urgentes. A crise económica tem afastado os dadores voluntários, impulsionando um sistema informal em que jovens trocam sangue por dinheiro ou bens essenciais.
A DW relatou o caso de Adão Maick (nome fictício), de 34 anos, um dos jovens que aderiu à “venda de sangue”. Ele trabalha numa unidade sanitária e tem acompanhado de perto a necessidade dos pacientes. “O pouco que recebemos já ajuda em casa. Dá para comprar carvão, trocar a botija de gás e aguentar alguns dias até repor as energias”, afirma.
Outro caso mencionado na reportagem é o de Manuel Chapeio (nome fictício), de 33 anos, segurança numa unidade sanitária em Menongue. Inicialmente, ele era um dador voluntário, mas a fome e a pobreza levaram-no a ver na prática uma forma de sobrevivência. Ele diz que, “pela necessidade, pode parecer que vale a pena vender o sangue em vez de roubar e sofrer outras consequências no futuro”. Meio litro é vendido por 15 mil kwanzas, e um litro completo por 25 mil kwanzas (equivalente a cerca de 16 a 26 euros).
Riscos à Saúde
Além das questões éticas e legais, especialistas alertam para os riscos à saúde associados à venda de sangue em condições inadequadas. O médico Damásio Capinji Tchitutula, entrevistado pela DW, destaca que os critérios essenciais para um dador seguro incluem idade entre 18 e 65 anos e peso mínimo de 50 kg. “A hemoglobina da mulher não pode ser inferior a 12,5 gramas por decilitro e a do homem a 13,5 gramas por decilitro”, especifica.
Ele reforça que muitos dadores que aceitam compensações financeiras vivem em condições precárias, o que pode comprometer a qualidade do sangue recolhido. “Aqueles indivíduos que passam muito tempo sem comer, que não têm um sono adequado e que não mantêm uma alimentação equilibrada estão sujeitos a restrições para serem considerados dadores de sangue”, conclui.
Medidas e Propostas para Combater a Venda de Sangue
É imprescindível que o Governo adopte medidas concretas e sustentáveis para resolver este problema. Algumas das soluções incluem:
1. Criação de uma Base de Dados Nacional de Dadores de Sangue
O Instituto Nacional de Sangue (INS) deve criar e manter um registo digital de dadores frequentes e ocasionais para garantir um abastecimento regular e seguro para os hospitais.
2. Incentivos Financeiros e Sociais para Dadores Regulares
Embora a venda de sangue seja ilegal, o Estado pode oferecer incentivos como subsídios alimentares, descontos em serviços públicos ou isenções fiscais para cidadãos que se comprometam a doar regularmente.
3. Parcerias com Empresas Privadas
Empresas podem ser incentivadas a apoiar a doação de sangue através de benefícios aos funcionários dadores regulares, como dias de folga remunerados e assistência médica gratuita.
4. Campanhas de Sensibilização e Educação
Programas educativos devem ser implementados para conscientizar a população sobre a importância da doação voluntária, os riscos da comercialização e os benefícios sociais de manter bancos de sangue abastecidos.
5. Reforço da Fiscalização e Penalizações
As autoridades devem intensificar a fiscalização nos bancos de sangue e hospitais para garantir que a prática de venda ilegal seja combatida com rigor e que os envolvidos sejam responsabilizados.
Portanto, a venda de sangue em Angola é um reflexo directo da crise socioeconómica e da falta de incentivos à doação voluntária. A existência de um mercado paralelo, além de representar riscos graves para a saúde pública, expõe a necessidade urgente de uma reforma no sistema de captação de sangue no país.
Para resolver este problema, é essencial que o Governo implemente medidas eficazes, incluindo incentivos para dadores regulares, criação de uma base de dados nacional e campanhas educativas abrangentes. A experiência de outros países demonstra que é possível manter bancos de sangue sustentáveis quando há um compromisso sério do Estado e da sociedade.
Mais do que uma questão de política pública, a doação de sangue é um acto de solidariedade e cidadania. Investir na criação de um sistema eficiente e seguro de doação é garantir que vidas sejam salvas e que os angolanos possam contar com um sistema de saúde mais justo e acessível para todos.