Análise

Venâncio Mondlane e a nova geopolítica das redes sociais na África Austral

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O lançamento oficial do partido ANAMOLA, transmitido em directo por Venâncio Mondlane a 20 de Setembro de 2025, atingiu níveis impressionantes de mobilização digital: 68 milhões de reacções, 36,6 milhões de comentários e 11,9 milhões de partilhas em poucas horas. Estes números, mesmo que sujeitos às dinâmicas algorítmicas próprias das plataformas digitais, demonstram uma evidência crucial: o espaço digital tornou-se o principal palco de disputa política na África Austral.

1. A política no ciberespaço: do monopólio das elites à democratização digital

Segundo Castells (2009), “o poder é exercido através da comunicação” e, na sociedade em rede, quem controla o fluxo de informação conquista a capacidade de moldar consciências colectivas. Este fenómeno é particularmente relevante em regiões como a África Austral, onde o controlo da comunicação tradicional (rádio, televisão, imprensa) ainda está, em muitos países, ligado a regimes de partido dominante.

A internet e as redes sociais, neste contexto, funcionam como instrumentos de contra-poder (Shirky, 2011), abrindo espaço para actores emergentes como Venâncio Mondlane.

A comunicação política contemporânea, na visão de Norris (2001), caracteriza-se por uma transição da “política mediada” para a “política em rede”. Ou seja, já não basta depender da cobertura jornalística: os líderes necessitam de construir canais próprios de mobilização. Mondlane, ao realizar transmissões ao vivo, posiciona-se como político 4.0, em linha com Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017), que descrevem o marketing 4.0 como um processo em que as marcas (e, neste caso, as marcas políticas) passam do controlo unidireccional para o engajamento horizontal, emocional e comunitário.

2. A juventude digital e a reconfiguração política da África Austral

Os números alcançados por Mondlane ganham ainda mais relevância quando analisados no contexto demográfico. De acordo com a União Africana (Agenda 2063), mais de 60% da população africana tem menos de 25 anos, sendo a geração mais conectada da história do continente.

Para Moyo (2018), esta juventude não se satisfaz com discursos libertadores herdados das lutas de independência; procura participação, transparência e inclusão.

Na Zâmbia, Hakainde Hichilema demonstrou em 2021 como o capital digital pode ser convertido em capital eleitoral, mobilizando jovens urbanos através das redes sociais para derrotar um partido hegemónico. De igual modo, no Zimbabwe, Nelson Chamisa conseguiu transformar a comunicação digital num recurso de contestação à narrativa da ZANU-PF. Mondlane, com os números registados no lançamento do ANAMOLA, coloca-se nesta mesma linha de lideranças digitais insurgentes que desafiam estruturas envelhecidas.

3. Do like ao voto: o desafio da conversão política

Apesar do alcance extraordinário, importa destacar que a popularidade digital, por si só, não garante vitórias eleitorais. Como lembra Chadwick (2013), no conceito de “hibridização dos media”, a comunicação digital deve ser integrada a estratégias offline, criando pontes entre engajamento virtual e participação política concreta.

O risco, como alerta Manuel Castells (2012), é que a política digital se reduza a um espectáculo de emoções instantâneas, incapaz de se traduzir em transformação social real. Por isso, o desafio central de Mondlane e de outros líderes africanos que dominam o espaço digital será converter likes em votos, comentários em militância e partilhas em redes de mobilização cívica efectiva.

4. A nova geopolítica da influência digital na África Austral

A política na África Austral encontra-se num momento de transição histórica. O esgotamento das narrativas de legitimidade baseadas na libertação nacional abre espaço para novas dinâmicas políticas centradas na economia da atenção digital.

O alcance de Mondlane é um claro exemplo de como a disputa política contemporânea já não se limita às ruas ou às assembleias nacionais, mas se estende às plataformas digitais, onde se decide grande parte da batalha da opinião pública.

Nesta perspectiva, é possível afirmar que estamos perante uma geopolítica cibernética da política africana, em que os líderes não disputam apenas territórios físicos, mas sobretudo territórios simbólicos e narrativos dentro das redes digitais.

5. Conclusão: ou digitalizam-se, ou serão derrotados

O caso do lançamento do partido ANAMOLA evidencia um fenómeno incontornável: a política da África Austral entrou definitivamente na era do marketing político digital. Mondlane demonstra que compreender os códigos do ciberespaço é hoje tão importante quanto dominar os códigos da retórica parlamentar.

As elites tradicionais enfrentam agora um dilema existencial: ou se digitalizam, adoptando estratégias de comunicação política adaptadas à nova era, ou serão digitalmente derrotadas por líderes que sabem transformar a conectividade em capital político.

Como sublinha Castells (2009), “a política não pode ser entendida fora do processo de comunicação”. O que Venâncio Mondlane mostrou, com milhões de interacções em poucas horas, é que o futuro da política africana está a ser escrito não apenas nas urnas, mas também nas timelines.

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