Análise
UNITA pós-Congresso: renovação real ou reciclagem da velha guarda?
O XIV Congresso da UNITA trouxe consigo um conjunto de movimentos internos que, mais do que reorganizar cargos, revelam uma reconfiguração estratégica que poderá moldar o futuro do maior partido da oposição. A lógica das escolhas feitas nos bastidores e que emergem agora aos olhos do público exige uma leitura crítica e prospectiva, orientada tanto pela ciência política como pelas dinâmicas próprias dos partidos africanos de oposição.
Como lembra Giovanni Sartori (1997), “os partidos políticos vivem do equilíbrio entre continuidade e mudança; quando um deles falha, o outro torna-se insustentável”. Esta afirmação ajuda a compreender a actual arquitectura da UNITA, que tenta sustentar este equilíbrio num campo político altamente competitivo.
1. Entre a Continuidade e a Necessidade de Renovação
A nomeação de Liberty Chiaka como Secretário-Geral é um movimento que, segundo observadores, o afasta discretamente da corrida futura à liderança. Trata-se de uma decisão que reforça a estabilidade institucional, mas levanta dúvidas sobre o espaço reservado à inovação dentro da estrutura dirigente. Max Weber (1947) recorda que “toda organização que se burocratiza enfrenta o risco de afastar lideranças carismáticas em nome da ordem”.
É isso que parece acontecer: uma preferência pela previsibilidade em detrimento de figuras mais disruptivas.
A ascensão de Simão Dembo e Navita Ngola, ambos herdeiros de nomes históricos do partido, reforça esta ideia. São escolhas que dialogam mais com a herança simbólica do que com uma estratégia agressiva de conquista do eleitorado jovem urbano, cujas expectativas se constroem em lógicas diferentes da militância tradicional. Maurice Duverger (1954) sublinha que “a força de um partido está na sua capacidade de adaptar a sucessão sem perder a sua alma”.
A UNITA manteve a alma, mas a capacidade adaptativa ainda está por ser provada.
2. As Ausências que Falam mais Alto que as Presenças
A exclusão de figuras como Nelito Ekuikui e Massanga Savimbi é um dos pontos mais reveladores deste rearranjo. Não se trata apenas de escolhas administrativas, mas de opções estratégicas profundas.
Ekuikui representa uma energia renovadora que, nas palavras de Samuel Huntington (1991), “é essencial para que movimentos políticos não se tornem estruturas estáticas incapazes de dialogar com os ciclos de mudança social”. A sua ausência sinaliza precaução ou receio.
Já Massanga Savimbi, pela autoridade simbólica e moral que carrega, poderia reforçar a legitimidade interna. O facto de ficar de fora mostra que Adalberto Costa Júnior privilegiou uma lógica de controlo político em detrimento de um pluralismo robusto. Robert Michels (1911), ao formular a “Lei de Ferro da Oligarquia”, afirmou que “quanto mais um partido cresce, mais concentra o poder nas mãos de poucos”.
O novo quadro dirigente parece ecoar esta lógica.

O que estas decisões significam para as projecções futuras da UNITA, especialmente perante a possibilidade real de vir a governar Angola
Em primeiro lugar, mostram que Adalberto Costa Júnior aposta no controlo interno como mecanismo de preparação governativa. A estabilidade é um valor estratégico, principalmente num contexto de intensa disputa política. Mas estabilidade sem renovação pode comprometer a competitividade eleitoral.
Em segundo lugar, revelam que a UNITA está ainda a trabalhar na construção de uma elite dirigente mais homogénea. Como observa Peter Mair (2013), “os partidos que aspiram a governar precisam de transformar quadros militantes em quadros governativos”. Nesta linha, a nomeação de Anastácio Rubem Sicato para porta-voz é exemplar, por ser um perfil moderado, técnico e comunicacionalmente seguro.
Em terceiro lugar, o partido deverá enfrentar um desafio que Norberto Bobbio (1987) descreveu como “a tensão permanente entre o horizonte ideal e a praxis política”. Para se afirmar como alternativa governativa, a UNITA precisa não apenas de gerir bem as suas tensões internas, mas também de projectar uma visão clara de governação: políticas públicas concretas, agenda reformista forte e capacidade de mobilizar sectores estratégicos da sociedade.
4. Ajustamentos Estratégicos que a UNITA Precisa de Fazer
Com base nas mudanças observadas, a UNITA deverá ajustar a sua estratégia em três direcções fundamentais.
a) Reintegração dos Quadros Excluídos
A liderança deve reencontrar espaços para Ekuikui e Massanga Savimbi, sob pena de perder musculatura política e capacidade mobilizadora.
b) Construção de Um Governo-Sombra Eficaz
Seguindo a lógica de O’Donnell (1994), “a oposição só se afirma como alternativa quando demonstra capacidade de governar antes de o fazer”.
A UNITA precisa de quadros especializados em sectores essenciais como economia, saúde, educação, energia, administração pública, segurança e urbanismo.
c) rejuvenescimento da linguagem política
O eleitorado urbano jovem exige narrativa, autenticidade e visão. Sem isso, qualquer estabilidade interna será insuficiente para vencer eleições.
5. Conclusão: Entre o Presente Organizacional e o Futuro Governativo
O pós-Congresso mostra que a UNITA vive um momento de consolidação interna, mas também de escolhas conservadoras que podem limitar o seu alcance estratégico.
Como diria Gramsci (1971), “o velho resiste a morrer e o novo luta para nascer”. O partido encontra-se precisamente neste limiar.
Se quiser projectar-se como futuro governo de Angola, a UNITA terá de equilibrar melhor estes dois mundos, integrando a energia renovadora das suas bases com a estabilidade institucional das suas elites.
A história demonstra que os partidos que conseguem este equilíbrio transformam-se em forças governativas duradouras. Os que falham tornam-se apenas memórias políticas.
A UNITA tem diante de si uma oportunidade decisiva. A questão é saber se a vai aproveitar ou se ficará refém das suas próprias recompensas internas.
