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Opinião

A unipessoalidade superveniente do regime de parcerias obrigatórias

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Titulo Original: A unipessoalidade superveniente no âmbito do regime de parcerias obrigatórias previsto no art.º 9 da LIP

Por: Moses Caiaia*

A escolha do tipo de societário para a execução de um projecto de investimento privado, nos termos da Lei n.º 14/15, de 11 de Agosto – Do Investimento Privado (adiante designado, abreviadamente, por “LIP”) cabe aos candidatos ao estatuto de investidor. A referida lei, no n.º 3 do art.º 3, admite também que a referida execução possa ser levada a cabo através de consórcios,  joint ventures e outras formas relevantes de associação empresarial.

Entre os vários tipos societários, os candidatos podem optar pela constituição de sociedades unipessoais por quotas ou anónimas, sendo que estas são reguladas na ordem jurídica angolana pela Lei n.º 19/12, de 11 de Junho – Das Sociedades Unipessoais (adiante designada, abreviadamente, por LSU). A título subsidiário aplica-se, com as devidas adaptações, o regime previsto na Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Das Sociedades Comerciais (a seguir designada LSC), embora de acordo com o art.º 6 da LSU a aplicação nos termos a que nos referimos seja em relação aos casos que não estejam previstos na mesma, designadamente em sede de “responsabilidade civil”.

Dispõe o art.º 2/1 que a LIP se aplica a investimentos externos de qualquer montante e aos investimentos internos cujo montante global, corresponda ao valor igual ou superior a Kz 50.000.000, 00 Kz. Para além do valor, o referido diploma estabelece também um regime de obrigatoriedade de parceiras em relação ao investimento estrangeiro.

De acordo com o art.º 9 o investimento estrangeiros nos sectores da electricidade, água, hotelaria e turismo, transportes e logística, construção civil, telecomunicações e tecnologias de informação e meios de comunicação social deve ocorrer com a intervenção de um parceiro nacional, sendo que este poderá ser  um cidadão angolano, uma empresa de capital público ou empresas angolanas.

Em qualquer dos casos o parceiro nacional deverá deter, como impõe a norma, pelo menos 35% do capital e participar efectivamente na gestão do projecto. Este regime não afasta, como a própria norma prevê, o que consta na Lei n. º 05/02, de 16 de Abril (De Delimitação dos Sectores da Actividade Económica).

Há, com certeza, várias razões que estão na base da consagração do regime das parcerias obrigatórias, porém, parece-nos que a principal tem a ver com questões de ordem económica e social, como a criação de um empresariado nacional capaz de concorrer com os privados e que não se limite a participar nos lucros do projecto. Não trataremos da matéria neste sentido. Dedicar-nos-emos a apreciar de forma crítica, os problemas jurídicos, que a norma convoca no confronto com o regime legal da unipessoalidade.

Para uma análise dos vários problemas,  atentemos à seguinte hipótese: um cidadão de nacionalidade chinesa pretende investir em Angola, ao abrigo da LIP, no sector da construção civil.  Em obediência à LIP associa-se a um cidadão nacional, constituem uma sociedade por quotas para executar o projecto e acordam que este será titular de 35% do capital, sendo que os restantes 75% pertencerão ao investidor estrangeiro. Até aqui parece não haver qualquer problema.

Pensemos, agora, que depois de algum tempo por qualquer razão natural ou jurídica – morte, incapacidade, exoneração, etc. – o parceiro nacional deixe de fazer parte da sociedade teremos duas soluções possíveis para o investidor estrangeiro.

Poder-se-á verificar a unipessoalidade superveniente? Que consequências resultam da Lei se o estrangeiro não tiver encontrado algum parceiro?

O legislador, na LIP, não tratou de consagrar uma solução, cabendo por isso ao interprete aplicador a busca das soluções possíveis tendo em conta a LSC e LSU. Antes, convém referir que há unipessoalidade superveniente quando se verifica, no âmbito de uma sociedade pluripessoal, a concentração na titularidade de uma única pessoa, independentemente da causa da concentração das quotas ou acções.

Dispõe a  al a) do art. º 142.º/1 da LSC que “pode ser dissolvida ou requerida a dissolução judicial da sociedade com fundamento (…) quando, por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao número mínimo exigido por lei, excepto se um dos sócios restantes for o Estado ou a entidade a ele equiparada por lei para esse efeito”. A respeito desta norma alguns doutrinadores entendem que se está diante de um desvio ao art.º 980 do Código Civil (que define o Contrato de sociedade e a partir do qual têm sido extraídos, como elementos da sociedade, o pessoal, o património, a forma, o exercício comum e a finalidade) e consideram que o legislador não abandonou a lógica pluripessoal prevista neste artigo.

Para os mesmos autores, o legislador considerou que estaríamos perante uma vicissitude que deveria ser sanada, optando por uma solução que, embora contrariasse a sua lógica, seria um remédio mais equilibrado. Neste sentido e embora a execução de um projecto de investimento não pressuponha a existência de uma sociedade comercial nem implique a constituição de uma sociedade comercial, não temos qualquer problema em admitir que esta será também a consequência que se verificará em relação aos projectos de investimento privado.

Há assim duas soluções possíveis. Sendo a primeira a realização de uma cessão de quotas e a segunda a dissolução da sociedade e consequentemente do projecto.

A cessão de quotas sobre a qual nos referimos só se poderá verificar nos casos em que seja possível, atendendo à razão da exclusão do sócio, e deverá operar-se no âmbito do Contrato de Investimento, havendo por isso uma alteração da posição contratual, e só posteriormente nos Estatutos da sociedade tendo em conta a forma legalmente exigida, nos termos do art.º 54 da LIP.

Se no caso de um investidor nacional não se coloca qualquer problema porque se poderá verificar, à luz do art.º 8/1 da LSU a transformação do tipo social, para sociedade unipessoal por quotas ou anónima em relação aos estrangeiros há uma verdadeira limitação, para além de estes não puderem, originariamente, executar projectos de investimento ao abrigo da LIP através de sociedades unipessoais, caso a actividade seja uma das previstas no art.º 9.  

A segunda solução, como já referimos supra, seria o investidor estrangeiro proceder à dissolução da sociedade e consequentemente do projecto se no final do período previsto na al a) art.º 142/1 não for sanada a vicissitude verificada. O art.º 142/1 habilita-o, considerado para este efeito sócio da sociedade, a proceder conforme referimos.

Deve entender-se que a unipessoalidade superveniente não é causa de dissolução imediata, na medida em que ela apenas habilita as pessoas legitimadas por lei a actuarem no sentido de dissolverem a sociedade.

Conclui-se, assim, que não obstante a LIP não trate da unipessoalidade superveniente no âmbito do regime das parcerias obrigatórias é possível resolver os problemas que surjam nesta sede, com recurso às normas previstas no regime geral aplicável às sociedades comerciais, porém, deverá atender-se às adaptações necessárias.

* Mestrando em Ciências Jurídico-Empresariais e Pós-Graduando em Finanças Societárias e Governo de Sociedades

E-mail: catiavala89@gmail.com

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