Opinião
União Africana: o continente rico que ainda pensa pobre?
A África é um continente vasto, diverso e extraordinariamente rico em recursos naturais, culturais e humanos. No entanto, a sua trajectória histórica e política tem sido marcada por desafios estruturais que impedem a materialização do seu verdadeiro potencial. A União Africana (UA), como organização representativa dos interesses do continente, enfrenta a árdua missão de redefinir o papel de África no cenário global, promovendo uma liderança comprometida, estratégias eficazes de negociação dos seus recursos naturais, a valorização dos saberes locais e a construção de um modelo de desenvolvimento que reflita a identidade africana.
A persistente dependência das grandes potências, o enfraquecimento das instituições políticas locais e a ausência de uma visão estratégica coerente com a realidade africana são factores que perpetuam a posição do continente como exportador de matéria-prima e importador de soluções externas. Para que África ocupe o lugar que lhe é devido no mundo, é essencial um reposicionamento político e económico, sustentado por um pensamento estratégico próprio, capaz de transformar a sua riqueza em benefícios concretos para os seus povos.
O Desafio da Liderança Comprometida
África precisa urgentemente de uma liderança transformadora, comprometida com os interesses dos seus cidadãos e não apenas com agendas externas. Historicamente, muitas lideranças africanas têm sido acusadas de negligenciar as reais necessidades do povo em troca de benefícios pessoais e alianças internacionais desfavoráveis ao continente. Como aponta Dambisa Moyo (2009) em Dead Aid, a dependência crónica de África em relação à ajuda externa contribuiu para o enfraquecimento das suas instituições políticas e económicas, tornando-se um dos principais entraves ao desenvolvimento sustentável.
A União Africana tem a responsabilidade de fortalecer instituições democráticas autênticas, que garantam que os líderes africanos sejam escolhidos com base na legitimidade e no compromisso com o bem-estar da população. Para tal, é necessário criar mecanismos que combatam a corrupção, promovam a transparência e fortaleçam a participação dos cidadãos na política. Um continente rico em recursos, cultura e conhecimento não pode continuar refém de lideranças frágeis e alheias aos interesses do seu próprio povo.
A Necessidade de uma Diplomacia Desenvolvimentista
Durante décadas, a diplomacia africana esteve fortemente marcada por alianças ideológicas, disputas políticas e interesses armamentistas, muitas vezes impostos por potências externas que instrumentalizaram os conflitos internos para manter a influência no continente. Essa abordagem, em vez de fortalecer África, contribuiu para a instabilidade e a dependência. No entanto, é imperativo que a União Africana promova uma mudança de paradigma, adoptando uma diplomacia desenvolvimentista, focada no crescimento sustentável e na melhoria das condições de vida das populações.
Essa nova diplomacia deve priorizar a cooperação nos sectores sociais, políticos, económicos, culturais e tecnológicos, estabelecendo parcerias estratégicas que garantam transferências de conhecimento, investimentos na industrialização e autonomia económica para os países africanos. Como destaca Kwame Nkrumah (1965) em Neo-Colonialism: The Last Stage of Imperialism, África só poderá libertar-se da exploração externa quando deixar de ser um fornecedor de matéria-prima e passar a ter controlo sobre a sua produção e inovação tecnológica. A aposta no desenvolvimento científico e na educação de qualidade deve ser o eixo central dessa transformação, garantindo que África não apenas participe da economia global, mas a influencie de maneira decisiva.
Essa nova diplomacia deve priorizar a cooperação nos sectores sociais, políticos, económicos, culturais e tecnológicos, estabelecendo parcerias estratégicas que garantam transferências de conhecimento, investimentos na industrialização e autonomia económica para os países africanos. Como destaca Kwame Nkrumah (1965) em Neo-Colonialism: The Last Stage of Imperialism, África só poderá libertar-se da exploração externa quando deixar de ser um fornecedor de matéria-prima e passar a ter controlo sobre a sua produção e inovação tecnológica.
Olhando para o cenário global, é evidente que o desenvolvimento sustentável depende de uma estratégia nacional bem definida. Países asiáticos como a Coreia do Sul e Singapura, bem como nações árabes como os Emirados Árabes Unidos e o Catar, demonstraram que uma economia baseada em recursos naturais pode ser convertida em progresso sustentável. A Coreia do Sul, que na década de 1960 era um dos países mais pobres do mundo, apostou fortemente na educação, na industrialização e no investimento tecnológico, transformando-se numa potência económica e num dos maiores exportadores de produtos de alto valor agregado. Singapura, por sua vez, tornou-se um dos centros financeiros mais importantes do mundo ao apostar na inovação e na eficiência governativa.
No mundo árabe, os Emirados Árabes Unidos e o Catar utilizaram as suas reservas de petróleo não apenas para enriquecer elites, mas para diversificar a economia, investindo em turismo, tecnologia, transportes e educação. O Dubai, por exemplo, deixou de ser um simples entreposto comercial no deserto para se tornar um dos principais centros financeiros e turísticos do mundo. A estratégia destes países demonstra que o desenvolvimento não depende apenas dos recursos naturais, mas sim de uma visão estratégica que prioriza a inovação, a industrialização e a qualificação da população.
África deve aprender com esses exemplos e criar um modelo próprio, adaptado à sua realidade, que permita transformar a sua riqueza natural em desenvolvimento sustentável. A aposta no desenvolvimento científico e na educação de qualidade deve ser o eixo central dessa transformação, garantindo que África não apenas participe da economia global, mas a influencie de maneira decisiva.
Democracia e a Matriz Tribal das Nações Africanas
A construção de Estados democráticos de direito em África deve considerar as realidades socioculturais do continente, integrando elementos das suas estruturas tradicionais de governação. Muitos países africanos possuem uma matriz tribal que, durante séculos, sustentou a organização política e social das comunidades. No entanto, a imposição de modelos ocidentais de governação, sem a devida adaptação à realidade local, gerou desafios na construção de Estados estáveis e inclusivos.
Mahmood Mamdani (1996), em Citizen and Subject, argumenta que a exclusão das lideranças tradicionais na governação moderna gerou uma dicotomia entre o Estado e as comunidades, dificultando a consolidação da democracia no continente. Para garantir uma governação mais eficaz e legítima, é necessário que as lideranças tribais sejam reconhecidas e incorporadas nos processos políticos e administrativos, de forma a aproximar as instituições do povo e evitar crises de representatividade.
A UA deve incentivar um modelo híbrido de governação, no qual a democracia representativa dialogue com os sistemas comunitários tradicionais. Esse modelo não apenas fortaleceria a participação cidadã, mas também garantiria que a estrutura de poder reflectisse melhor a identidade e as aspirações do povo africano.
A Negociação dos Recursos Naturais com as Grandes Potências
África detém algumas das maiores reservas de recursos naturais do mundo, desde petróleo e gás até minerais estratégicos como ouro, diamantes, lítio e cobalto. No entanto, esses recursos, em vez de serem alavancas para o desenvolvimento, têm sido explorados de maneira predatória, beneficiando muito mais as grandes potências globais do que os próprios países africanos.
Walter Rodney (1972), em How Europe Underdeveloped Africa, denuncia como o colonialismo estruturou a economia africana para servir aos interesses externos, um padrão que persiste até os dias de hoje. A perpetuação de contratos desiguais, onde multinacionais exploram os recursos africanos com retornos mínimos para as economias locais, é um dos grandes desafios que a UA precisa enfrentar.
Para alterar esse cenário, a União Africana deve adoptar uma abordagem colectiva na negociação dos recursos naturais, impedindo que cada país africano actue de forma isolada e vulnerável perante as potências económicas. A criação de uma política unificada para a exploração e comercialização dos recursos africanos pode fortalecer a posição do continente e garantir que a riqueza gerada seja revertida em desenvolvimento para os povos africanos.
Além disso, é essencial que a industrialização seja uma prioridade. África não pode continuar a exportar matéria-prima e importar produtos acabados a preços elevados. Como defende Ha-Joon Chang (2002) em Kicking Away the Ladder, o desenvolvimento sustentável só ocorre quando um país investe na industrialização e no controlo da sua própria economia.
A Mudança Geracional: Um Factor Decisivo
A juventude africana representa a maioria da população e precisa ocupar um papel central na construção do futuro do continente. A renovação geracional da liderança africana pode trazer uma nova perspectiva sobre os desafios do continente, promovendo políticas inovadoras e estratégias mais eficazes para o desenvolvimento.
Thabo Mbeki (1998), no seu discurso I Am an African, afirma que a verdadeira libertação de África só acontecerá quando os africanos tomarem as rédeas do seu próprio destino, rompendo com a dependência externa e assumindo um protagonismo global. Para isso, é fundamental que os jovens sejam incluídos nos processos políticos e económicos, garantindo que tenham voz na definição das políticas públicas e na gestão dos recursos do continente.
Finalmente, é essencial destacar que África é um continente rico, mas continua a pensar de forma limitada. Os desafios da União Africana são imensos, mas as oportunidades para um futuro próspero também são inegáveis. Com uma liderança comprometida, uma estratégia inteligente para a gestão dos recursos naturais, a valorização dos saberes locais e a criação de um modelo de desenvolvimento genuinamente africano, o continente pode finalmente assumir o seu papel no cenário global.
A renovação geracional será um factor decisivo nesse processo, pois são os jovens africanos que têm o potencial de transformar a UA num verdadeiro motor de progresso. Afinal, um continente tão rico não pode continuar a pensar pobre.