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Opinião

Tribalismo ou Patrimonialismo? Entenda o desafio na administração pública angolana

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Um dos debates mais sensíveis sobre a Administração Pública em Angola é a suposta prevalência do tribalismo nas administrações locais do Estado. Contudo, especialistas indicam que o fenómeno que muitas vezes é associado a práticas tribais pode, na verdade, ser reflexo do patrimonialismo, uma característica histórica de muitos sistemas administrativos em África.

O tribalismo, segundo o sociólogo alemão Max Weber, refere-se a uma organização social em que decisões e relações de poder são influenciadas por lealdades étnicas ou tribais. Já o patrimonialismo, também descrito por Weber, ocorre quando os recursos do Estado são apropriados e utilizados como extensão dos interesses pessoais ou de pequenos grupos.

Para o académico Paulo Fernandes, a confusão entre esses dois conceitos é comum, mas perigosa. “O que se observa em muitas administrações locais não é tribalismo, mas patrimonialismo disfarçado, onde as disputas são motivadas por interesses de poder e acesso a recursos, e não por identidades étnicas ou tribais”, afirma.

Desde a transição para o sistema multipartidário e a adopção de balizas normativas nos anos 1990, Angola procurou alinhar a sua Administração Pública a um modelo burocrático, guiado por normas e procedimentos universais. No entanto, como destaca Jean-François Bayart, em contextos onde o Estado ainda é visto como um recurso a ser explorado, o patrimonialismo pode continuar a prevalecer, especialmente em administrações locais.

Este modelo compromete princípios fundamentais, como o da impessoalidade, consagrado na Constituição da República de Angola (CRA, 2010). Este princípio exige que decisões administrativas sejam tomadas com base no interesse público, afastando influências de interesses pessoais ou grupais.

O Executivo angolano tem a missão de reforçar a ideia de que a Administração Pública do país deve ser imparcial, afastando qualquer associação com interesses tribais ou patrimoniais. Segundo António Nunes, especialista em governação pública, “uma gestão pública eficiente e equitativa só será possível com a ruptura definitiva de práticas patrimoniais e a promoção de uma cultura de mérito e transparência”.

As administrações locais têm um papel crucial no desenvolvimento do país, mas, para que cumpram essa função, é essencial que operem sob o paradigma burocrático e não sob lógicas patrimoniais. Este modelo burocrático, conforme Fernandes, fortalece a prestação de serviços públicos, promove a inclusão e assegura a justiça social, princípios fundamentais para o desenvolvimento sustentável.

Distinguir tribalismo de patrimonialismo é um passo importante para entender as dinâmicas da Administração Pública angolana. Enquanto o tribalismo é uma questão de identidade étnica, o patrimonialismo está ligado à apropriação do Estado por interesses pessoais ou de pequenos grupos. Reconhecer esta diferença é essencial para que se possa avançar rumo a uma gestão pública mais eficiente, comprometida com o bem comum e guiada pelo princípio da impessoalidade.

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