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Transição do Grupo Wagner para o Africa Corps: um novo modelo de intervenção

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O Grupo Wagner, uma organização paramilitar privada com laços estreitos ao Kremlin, operava no Sahel desde 2017, fornecendo apoio militar a regimes frágeis em troca de acesso privilegiado a recursos naturais, como ouro, diamantes e urânio. Contudo, a sua autonomia e as acções controversas, incluindo alegações de abusos de direitos humanos (como o massacre de Moura em 2022, no Mali), criaram tensões tanto com parceiros africanos como dentro da própria estrutura de poder russa, culminando na tentativa de motim de Yevgeny Prigozhin em Junho de 2023 e na sua morte subsequente em agosto do mesmo ano.

A criação do Africa Corps, sob a alçada directa do Ministério da Defesa russo e liderado pelo Vice-Ministro Yunus-bek Yevkurov, marca o fim da “negabilidade plausível” que o Wagner proporcionava. Este novo corpo expedicionário, composto por cerca de 70-80% de ex-membros do Wagner, opera de forma mais formal e alinhada com os objectivos estratégicos do Kremlin. A sua missão centra-se em três pilares principais:

– Apoio militar directo: Fornecimento de treino, equipamento e, em menor escala, operações de combate contra insurgências, como as afiliadas à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico.
– Consolidação de regimes autoritários: Protecção de líderes militares, como Ibrahim Traoré no Burkina Faso, e reforço da sua legitimidade interna.
– Expansão da influência económica e política: Acesso a recursos naturais e fortalecimento da posição da Rússia como alternativa às potências ocidentais, particularmente a França.

A transição para o Africa Corps, como notado por analistas, reduz a flexibilidade operacional que caracterizava o Wagner, mas aumenta o controlo estatal e a legitimidade das operações russas, ao mesmo tempo que mitiga riscos legais e reputacionais.

Objectivos Estratégicos da Rússia no Sahel

Os objectivos da Rússia com o Africa Corps no Sahel são multifacetados e reflectem uma estratégia oportunista que capitaliza as crises de segurança e a desilusão com o Ocidente:

– Contrapor a influência ocidental: A saída de forças francesas do Mali, Burkina Faso e Níger, aliada à deterioração das relações com os Estados Unidos e a UE, criou um vácuo de segurança que a Rússia tem explorado. A retórica anti-ocidental, amplificada por campanhas de desinformação russas, reforça a narrativa de soberania e independência promovida pelos regimes militares.

– Acesso a recursos naturais: Tal como o Wagner, o Africa Corps garante acesso a minas de ouro, urânio e outros recursos estratégicos, essenciais para financiar operações militares russas, especialmente no contexto da guerra na Ucrânia.

– Fortalecimento de alianças geopolíticas: A Rússia busca consolidar o apoio de estados africanos em fóruns internacionais, como a Assembleia Geral da ONU, onde os votos de países do Sahel podem contrabalançar esforços ocidentais para isolar Moscovo.

– Projecção de poder militar: A criação de uma base militar na República Centro-Africana e negociações para expandir a presença em países como o Chade indicam a intenção de estabelecer uma rede de influência militar no continente.

A Aliança dos Estados do Sahel (AES) e o Papel da Rússia

A formação da AES, em Setembro de 2023, composta por Mali, Burkina Faso e Níger, após a sua saída da CEDEAO em Janeiro de 2024, reflecte uma reconfiguração geopolítica na região. Esta aliança, liderada por regimes militares, busca uma alternativa à influência ocidental e à CEDEAO, percebida como alinhada com interesses franceses e americanos. A Rússia posicionou-se como o principal parceiro de segurança da AES, com o Africa Corps a desempenhar um papel central.

No entanto, a eficácia do Africa Corps em combater as insurgências jihadistas, como a Jama’at Nusrat al-Islam wa al-Muslimeen (JNIM) e o Estado Islâmico no Grande Saara (IS-GS), é questionável. Apesar de sucessos pontuais, como a captura de Kidal no Mali em 2023, a violência jihadista intensificou-se, com ataques recentes a bases militares malianas e à capital Bamako. A abordagem russa, focada em táticas brutais de contraterrorismo sem investimento em desenvolvimento ou governação, tem agravado queixas locais e alimentado o recrutamento jihadista.

Implicações Geopolíticas e Desafios

A nova inserção russa no Sahel, através do Africa Corps, consolida a influência de Moscovo, mas enfrenta desafios significativos:

– Recursos limitados: A guerra na Ucrânia e a perda de bases logísticas na Síria (como Tartus e Khmeimim) restringem a capacidade da Rússia de sustentar operações de larga escala no Sahel.
– Relações com parceiros regionais: A Argélia, um aliado histórico da Rússia, vê com preocupação a instabilidade no Sahel, o que pode limitar a expansão russa se Argel optar por maior cooperação com o Ocidente.
– Resistência local e internacional: A reputação do Africa Corps, herdada das violações de direitos humanos do Wagner, pode gerar resistência local e sanções internacionais, dificultando a sua aceitação.
– Sustentabilidade da AES: A ausência de uma estratégia de desenvolvimento económico e a dependência de apoio militar externo podem fragilizar a AES, especialmente se a Rússia não cumprir as expectativas de segurança.

Conclusão

A transição do Grupo Wagner para o Africa Corps marca uma nova fase na estratégia russa no Sahel, caracterizada por maior controlo estatal e alinhamento com objectivos geopolíticos de longo prazo. A Rússia visa preencher o vácuo deixado pela retirada ocidental, fortalecendo regimes militares e garantindo acesso a recursos estratégicos. Contudo, a sua abordagem, centrada em soluções militares sem investimento em estabilidade socioeconómica, arrisca perpetuar a insegurança e a insatisfação local. A AES, embora um símbolo de resistência à influência ocidental, enfrenta desafios estruturais que podem comprometer a sua viabilidade. Para os actores internacionais, incluindo a CEDEAO e potências ocidentais, o reforço de parcerias baseadas em desenvolvimento sustentável e governação inclusiva será crucial para contrabalançar a crescente influência russa no Sahel.

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