Sociedade
Trabalhadores da Casa da Juventude com Salários em atraso há 11 meses
Num tom sarcástico, o formador do curso de contabilidade, Maurício Rodrigues mostra, ao repórter, o sapato do pé direito, velho e roto, para manifestar o seu descontentamento, com a direcção da Casa da Juventude de Viana que não paga os salários, há oito meses.
Com uma mochila de alças nos ombros e uma pilha de papéis nas mãos, Maurício, 24 anos, tem ao lado quatro colegas: Manuel Mendes, 26 anos, Bento Joaquim, 29, Nicolau Guengo, 28 e Alípio Garcia, 25 anos. Todos eles formadores.
Não são só os formadores nesta situação. O pessoal de limpeza está sem salário há 11 meses e o da segurança há seis meses.
Quando chegamos à Casa da Juventude, o formador do curso de Inglês, Alípio Garcia, estava na recepção, aguardando pela hora da reunião a qual devia definir o fim ou não da paralisação das aulas. Os professores estão em greve, há uma semana.
A reunião de Quinta-feira passada, 07, com o responsável do Gabinete Jurídico da Casa da Juventude consumiu quase uma hora e meia, sem, no entanto, trazer consenso entre os trabalhadores e a entidade empregadora.Há três anos como formador, Alípio conta que nunca viveu uma situação de revés como este ano. “Durante todo o ano dei aulas e os alunos pagaram sem interrupção as suas propinas, mas não sei para onde vai o dinheiro”, atira. O contrato existente entre os formadores e a instituição determina que cada formador tem, por direito, 35 por cento do valor arrecadado em propinas e 65 por cento pertence à instituição. “Um acordo que não tem sido honrado pela direcção da Casa da Juventude”, informa Nicolau, o que menos falava entre os colegas. O recinto é muito concorrido, sobretudo por jovens.
Antes da guarita observa-se várias bancadas de venda de discos e livros. À esquerda da entrada principal do edifício, os assentos são ocupados por adolescentes que jogam xadrez. Quer no rés-do-chão quer no primeiro andar os balcões de recepção registam a todo instante a presença de pessoas. Por que razão a direcção anterior não ficou 12 meses de salário em atraso? Quem é o mais importante numa organização, os recursos humanos ou as máquinas? Duas perguntas feitas pelos funcionários, que levou o jurista da Casa da Juventude a abandonar a sala, sem responder, durante o encontro de quinta-feira, que ficou inconclusivo.
Os formadores Manuel Mendes e Bento Joaquim dizem, em coro, que pediram, durante a reunião com o representante da direcção, para evitar promessas. “Pedimos que sejam sérios, eles pensam que somos crianças. Eu sou chefe de família. Tenho dois filhos e esposa”, relata Bento Joaquim, em tom melancólico.
Se Alípio abandonou a universidade por falta de dinheiro para pagar propinas, o pior, também, aconteceu com Bento que se sentiu forçado a abandonar a casa e a dividir a família por falta de comida.
“Meus filhos e a minha esposa estão na casa da minha sogra. Infelizmente, eu estou na casa da minha mãe, porque não sei o que vou dar aos meus filhos”, adiciona, franzindo a testa.
São perto de vinte e cinco formadores que reivindicam os salários. Uma funcionária de limpeza retomou na quinta-feira os trabalhos após ser pago apenas um mês, faltando onze por receber.
Só aconteceu o pagamento fruto de uma manifestação realizada pelas trabalhadoras da limpeza no interior da Casa da Juventude de Viana.
“Algumas não estão a vir porque acham ser uma autêntica falta de respeito, quando lhes tinham prometido pagar os meses todos em atraso”, contou Manuel Mendes.
Os funcionários relatam que a piscina, o campo multiuso, o auditório, o hotel e o restaurante dão algum rendimento à instituição, e, por via disso, não encontram explicações para os largos meses sem salário.
Os trabalhadores só retomam os trabalhos depois da remuneração e afirmam entristecidos com o facto de a instituição continuar a fazer inscrições, prometendo aos formandos a comparecer na próxima semana para assistir às aulas.
Ao Jornal de Angola, Sérgio José, o director da Casa da Juventude, confirma a dívida salarial para com os trabalhadores e justifica que a situação tem a ver com problemas que encontrou quando assumiu a direcção.
“Estamos a resolver o problema e é uma situação que vamos resolver na próxima semana, porque não tínhamos luz e não tínhamos água no estabelecimento”, disse Sérgio José.
O director acusa os trabalhadores de não terem informado a direcção sobre a paralisação. Mas estes negam e dizem que o director mentiu, até porque uma das suas cartas de reivindicação foi rasgada pelo coordenador.
Sérgio José garante que a sua direcção está a aplicar recursos para que as outras áreas da Casa da Juventude possam gerar rendimentos.