Opinião
Terrorismo e Direito: nótulas
A caminhada terrena assenta num renhido e contínuo conflito de interesses, neste diapasão, assevera José Dias Marques (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994), que os interesses humanos constituem o principal substrato de toda vida social, e em particular de toda a vida jurídica. O facto, aqui, segue o normal desenrolar da vida em sociedade: situações de carência ou desequilíbrio biológico ou psíquico (necessidades), que suscitam a existência de géneros aptos a supri-las (bens).
As autoridades denotam impotência face aos diversos problemas sociais – dos quais se destaca o «terrorismo», atendendo aos factores psicológicos como a obsessão (pelo Ocidente e aliados), o ânimo malicioso, desejos instrumentais destrutivos, satisfação pelo sofrimento alheio, que dentre outros, constituem o cerne da questão – que nos últimos tempos ganharam adeptos fervorosos e, como resultado, se agudizaram. A sua adjectivação é quase infinita, conquanto se pode dizer que é uma das formas mais eficaz, violenta, desumana e comovente, de massacrar, assassinar e causar medo.
Os interesses no terrorismo apresentam índole mais tenebrosa devido as ordens de motivações que norteiam, e condizem a uma base qualitativa – a impossibilidade de os bens objecto de «disputa» não poderem suprir as necessidades de sentido contrário, isto é, ambos os lados em proporções iguais simultaneamente – poderes político e de influência detidos só por certas partes envolvidas neste jogo de egoísmo.
Paradoxalmente, a nossa necessidade é, inquestionavelmente, urgente, relativamente a de outrem; nossas concepções «devem» sobrepor-se as demais; a imperfeição humana é-nos alheia, estranha ou necessariamente distante; a razão habita normalmente em nós. Enfim, o que de importante, eminente e útil há no mundo, é reflexo nosso ou de nossos.
As sociedades se encontram num estado periclitante permanente, vive-se num caos, respira-se preocupação, outrossim, tornaram-se palcos de escandalosos absurdos. É-se muito, mas nada de racional se faz, o alheamento da realidade granjeou ao ridículo; no encantamento do bem fazer, muito de improfícuo e eversor resulta – «boomerang defeituoso», atinge até quem lhe não deu causa. De tanta paixão e orgulho, valoriza-se o supérfluo e perde-se de vista a prioridade.
Ora, se considerarmos todos os actos susceptíveis de causar sofrimento e infligir dor: como crimes de guerra; contra a humanidade; genocídios; assassinatos em série; crimes hediondos; contra a monarquia – o homicídio do arquiduque do Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, e sua esposa, Sofia, pelo sérvio-bósnio Gavrilo Princip, em 28 de Junho de 1914, conotado como instigador da primeira guerra mundial – tirania, despotismo, sofrimento por causas naturais – o filme “Acontecimento”, que retrata um fenómeno natural cujo vento é o suposto perpetrador, em que as plantas se mexem e as pessoas morrem em consequência, facto designado «terrorismo» pelo elenco do filme -; actos de líderes considerados cruéis, entre outros, diremos que terrorismo é tão antigo quanto o mundo. Entretanto, destaca-se, em termos estritos, outra tendência mais consentânea àquilo que é hoje, que considera terroristas os actos de dor e sofrimento perpetrados por grupos assim autodenominados, exclusivamente de matriz islâmica – os ataques contra as torres gémeas do complexo empresarial World Trade Center, em 11 de Setembro de 2001; os ataques terroristas de Copenhaga, nos dias 14 e 15 de Fevereiro de 2015; o atentado em Londres, ocorrido em 29 de Junho de 2007, entre outros.
Os investimentos para tais acções são cada vez maiores, os modus operandi incessantemente inovados, altamente sofisticados; ao passo que as respostas para combater o flagelo parecem infrutíferas, transparecem defraudação do que conscientemente se deve fazer. Sem dúvida, com a ambição desmedida e o nível de perversão dos interesses actualmente, não surpreende que as questões relativas à segurança e à defesa estejam no topo das preocupações.
A agenda mundial está voltada para a união dos Estados, no intento dar resposta eficiente e eficaz, embora geralmente desproporcional, a este nefasto, odioso, torpe e comovente problema. Porém, em boa verdade, tudo parece ineficaz. Na maioria dos casos, quem deve combater se constitui obstáculo, pois continuamente constatamos que as posturas arrogantes são autênticos venenos.
No entanto, veja-se, que, a mente humana tem várias percepções, como soe dizer-se, não para. Grosso delas são intermitentes, entretanto algumas há contínuas e homogéneas – como as de paz e bem-estar -, o que nos parece resultar da inata expectação humana de vida boa, de que o mundo é um bom lugar para viver e de ser este o estado normal, sendo o contrário anormal. De minuto a minuto, o ser humano anseia um estado de espírito que lhe remete para essas sensações, tal ânsia, por vezes, constitui defesa do psicológico contra adversidades. Pelo que, diremos, por inferência, que os desejos das pessoas circundam em ideias que objectivamente se consubstanciam na ausência de situações inquietantes, de (perene) tranquilidade e conforto. Tendo a segurança, portanto, primacial contributo na manutenção e garantia de manutenção desse status.
Neste caso, apesar do cenário social caótico, nitidamente difícil de contornar, cabe ao Estado assegurar um nicho de direitos essenciais a afirmação do ser humano – direitos fundamentais -, amparados na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado, quer face a actos susceptíveis de perigar a vida e a integridade física, quer face ao arbítrio inevitável dos legítimos representantes dos órgãos que integram o seu aparelho. Pois, o Direito, enquanto meio de ordenação social, aparece no contrapolo – no lado oposto – do terrorismo, num plano ideal de harmonia e felicidade entre os cidadãos. A ideia do Estado de Direito equivale a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana, destarte, a definição rigorosa e a garantia efectiva, no mínimo, dos Direitos à vida e a integridade pessoal, da liberdade física e da segurança pessoal, bem como da igualdade entre as pessoas, constituem requisitos do Estado de Direito. Consequentemente, o terrorismo é um grande problema para o Direito e, em geral, para a vida em sociedade.
Neste confronto de realidades, o quadro normativo eventualmente se afigura apto a produzir os efeitos jurídicos quando invocada a sua aplicação perante a autoridade competente (eficácia jurídica), todavia, os indivíduos sponte sua (espontaneamente) não agem em conformidade com o disposto nas normas (falta de eficácia social da norma). Quer dizer, a norma é juridicamente eficaz, mas socialmente ineficaz. O que nos leva a reconhecer, no plano da observância, a possibilidade de violação das normas, uma vez que o cidadão pode, de seu livre arbítrio, escolher praticar acto lesivo de direitos, quando deve fazer o contrário, em conformidade com as regras legalmente instituídas ; sendo, no entanto, que, no plano das consequências, verificando-se a previsão legal que proíba a prática de certo acto subsumível a um tipo legal de ilícito – criminal -, automaticamente são accionados os instrumentos legais, aptos a aplicá-lo as sanções correspondentes a sua conduta, independentemente da vontade do agente.
Em suma, consideramos, eventualmente, necessário actualizar o quadro legal sobre o terrorismo, objectivando adequar continuamente, para, mais eficientemente, dissuadir efectivos, potenciais e latentes agentes terroristas. De somenos importância, é notar, que qualquer moldura penal por dura que seja, nunca é ou será proporcional ao sacrifício humano resultante de actos terroristas, o que convoca a urgente mudança de postura para padrões psicológicos mais regularmente racionais.