Análise
Temos dinheiro para suportar os custos dos novos hospitais construídos de 2017 até 2025?
Em saúde, os recursos são sempre escassos, mesmo em países ricos — e em contextos como o angolano, essa escassez é particularmente aguda. Cada kwanza investido num hospital novo é um kwanza que deixa de ser aplicado na atenção primária, na formação de profissionais ou na compra de medicamentos essenciais. A construção de grandes hospitais pode ser politicamente visível e até tecnicamente necessária, mas deve ser acompanhada de uma análise rigorosa de custo-benefício e de sustentabilidade. Sem planeamento financeiro para manutenção, equipamentos, recursos humanos e funcionamento contínuo, o investimento inicial transforma-se rapidamente em despesa improdutiva.
O desafio para Angola não é apenas construir mais hospitais, mas garantir que os já existentes funcionem plenamente, com materiais, energia, medicamentos e pessoal suficiente — porque, em saúde, o que verdadeiramente salva-vidas não é o betão, mas a capacidade de prestar cuidados de qualidade e de forma equitativa.
O retrato que emerge é ambivalente. Por um lado, os novos hospitais resolveram vazios históricos e reduziram evacuações externas, reforçando a capacidade de resposta em cardiologia, cirurgia, cuidados intensivos, hemodiálise e imagiologia. Por outro, a opção política privilegiou “betão” hospitalar de alto custo, enquanto a rede primária ficou para trás. De acordo com dados oficiais, contabiliza-se mais de mil milhões de dólares investidos em cerca de 12 hospitais terciários nos últimos anos, enquanto persistem carências básicas e subexecução orçamental no sector.
A questão central deste artigo não é negar a utilidade desses investimentos, mas exigir três compromissos essenciais:
- Transparência contratual — divulgação dos custos, ajustes e fontes de financiamento de cada obra;
- Sustentabilidade dos custos recorrentes — garantir medicamentos, consumíveis, manutenção e pessoal, pois um hospital de 185 milhões de euros sem “materiais gastáveis” é apenas um edifício e não um serviço;
- Reequilíbrio orçamental — reforço dos cuidados primários, onde se resolvem 85% dos problemas de saúde pública e se travam as doenças antes de exigirem cuidados hospitalares complexos.
Em 2025, o conjunto das principais unidades hospitalares e institutos de referência em Angola absorveu um orçamento global de cerca de 160,2 mil milhões de kwanzas, equivalente a 190 milhões de dólares, conforme as dotações inscritas no OGE para o setor da saúde (ver Tabela 1). Este montante inclui despesas correntes — destinadas ao funcionamento, pagamento de pessoal e aquisição de bens e serviços — e despesas de capital, associadas à construção, reabilitação e apetrechamento das infraestruturas.
Entre 2021 e 2025 o orçamento da saúde aumentou de 851,11 mil milhões AOA para 1.982,58 mil milhões AOA, o que representa um crescimento expressivo em termos nominais. Contudo, ajustado pela inflação, o ganho real é muito mais reduzido: passa de 851,11 mil milhões para 1.112,62 mil milhões, refletindo perda de poder de compra ao longo do período.
A proporção do OGE dedicada à saúde mantém-se baixa, entre 4,8% e 6,7%, longe da Meta de Abuja (15%) recomendada pela União Africana. O pico de 2023 (6,7%) não se traduziu em melhoria estrutural, já que em 2025 o indicador caiu para 5,7%. Desde 2017, as despesas do Serviço Nacional de Saúde cresceram, acompanhando a expansão da rede hospitalar, mas sem proporcional aumento do financiamento público. A inflação, a desvalorização cambial e os custos de manutenção das novas unidades reduziram o impacto real do orçamento, tornando os reforços anuais insuficientes para as despesas operacionais.
Em termos de despesa per capita, o valor em kwanzas duplicou entre 2021 e 2025 (de 26.516 AOA para 54.811 AOA), mas em dólares manteve-se volátil — subindo de 40,8 USD em 2021 para 78,3 USD em 2023, caindo depois para 46,7 USD em 2024 e recuperando para 60,1 USD em 2025. Este comportamento revela o impacto das flutuações cambiais e da inflação, que reduzem a capacidade real de investimento por habitante.
As taxas de execução orçamental mostram igualmente fragilidades. Entre 2021 e 2024, a execução média manteve-se alta (95%–96%), com exceção de 2023, ano em que apenas 63% do orçamento foi efetivamente gasto, revelando subexecução significativa. Este dado ilustra que, mesmo com verbas disponíveis, o sistema enfrenta entraves administrativos e baixa capacidade de absorção.
Em relação ao OGE, pode-se ainda referir que, nem tudo que se planifica e consta do OGE tem sido executado. A planificação, com os desafios que possui, agudiza a situação quando analisamos as contas anuais do estado. Observa-se que, entre 2021 e 2024, o nível de execução orçamental foi geralmente elevado, com exceção de 2023. Em 2021, foram executados 755,2 mil milhões AOA, equivalentes a 95% do orçamento previsto (1.023,1 mil milhões AOA). Em 2022, a taxa subiu ligeiramente para 96%, com uma execução de 946,9 mil milhões AOA de um total orçamentado de 1.244,7 mil milhões.
O ano 2023 destaca-se negativamente: apesar do orçamento mais alto (1.555,9 mil milhões AOA), apenas 63% foi efetivamente gasto (946,1 mil milhões AOA), revelando subexecução significativa – possivelmente associada a constrangimentos administrativos, atrasos nos projetos de investimento ou contingência orçamentais. Em 2024, há uma recuperação, com 96% de execução (1.311,7 mil milhões realizados face a 1.574,3 mil milhões orçamentados), retomando os níveis de desempenho anteriores.
Conclusão
Em conclusão, Angola não dispõe atualmente de recursos orçamentais suficientes para suportar de forma sustentável os custos dos novos hospitais construídos desde 2017. O país tem feito um esforço notável em investimento estrutural e ampliou a rede hospitalar, mas o OGE continua aquém das necessidades reais de funcionamento. O crescimento nominal das verbas para a saúde não acompanha a inflação nem os custos de operação dessas unidades. Assim, corre-se o risco de ver infraestruturas modernas, mas subutilizadas, com equipamentos inativos e profissionais sobrecarregados.
O desafio que se impõe não é erguer mais paredes, mas garantir que as existentes sirvam efetivamente o cidadão, com financiamento estável, gestão eficiente e prioridade à prevenção e à qualidade do cuidado. Porque, em saúde, o verdadeiro progresso não se mede pelo número de hospitais inaugurados, mas pela capacidade de fazer funcionar com dignidade os que já existem.



