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Opinião

SIC: Polícia de investigação ou apenas mais um braço da Polícia?

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Angola enfrenta desafios cada vez mais complexos no combate à criminalidade, que se moderniza e se expande a um ritmo acelerado. O crescimento do crime organizado, dos crimes financeiros e do cibercrime, aliado à corrupção e à ineficácia de certos mecanismos de investigação, coloca em xeque a capacidade das forças de segurança em garantir a ordem e a justiça.

O Serviço de Investigação Criminal (SIC), que deveria ser o pilar da investigação criminal em Angola, ainda opera num cenário de desafios estruturais, falta de autonomia e sobreposição de funções com outras forças policiais. Enquanto isso, em países como os Estados Unidos, o Federal Bureau of Investigation (FBI) consolidou-se como a principal agência investigativa, justamente por possuir autonomia, tecnologia de ponta e uma estrutura organizacional eficiente.

Diante deste cenário, a grande questão é: o SIC será transformado numa agência de elite comparável ao FBI ou continuará a ser apenas mais uma direcção dentro do Ministério do Interior, limitado por burocracia, ingerências políticas e falta de modernização? A resposta depende de reformas profundas que garantam a sua independência, investimento tecnológico e uma estratégia clara para o combate ao crime moderno.

1. Autonomia e Centralização: A Teoria Burocrática e a Eficiência Institucional

Max Weber (1922), na sua teoria da burocracia, destaca que instituições públicas eficientes devem possuir hierarquia clara, regras formais e especialização de funções. O FBI consolidou-se como a principal agência investigativa dos EUA porque não concorre directamente com outras forças policiais, mas coordena operações nacionais e coopera com forças locais e estaduais.

Em Angola, o SIC ainda enfrenta desafios relacionados à fragmentação das responsabilidades de investigação, muitas vezes disputadas por outras entidades, como a Polícia Nacional, os Serviços de Inteligência e órgãos especializados do Ministério do Interior. Essa concorrência interna compromete a eficiência investigativa e a credibilidade do órgão. Bayley e Shearing (2001) argumentam que a governação da segurança pública deve ser estruturada para evitar conflitos institucionais para promover uma divisão clara de responsabilidades e mecanismos de supervisão eficazes.

Para que o SIC alcance um nível comparável ao do FBI, é essencial:

★★Definir juridicamente a sua autonomia investigativa para reduzir a sobreposição de funções com outras forças policiais.

★★Criar um quadro legal específico que estabeleça o SIC como o principal órgão nacional de investigação criminal.

★★Reforçar a sua capacidade técnica e humana, investindo na formação contínua e no recrutamento de especialistas em áreas-chave da investigação criminal.

2. Profissionalização e Tecnologia: A Teoria da Modernização Aplicada à Segurança Pública

A teoria da modernização, defendida por Huntington (1968) e aplicada ao contexto da segurança pública por Bayley (1994), sugere que as instituições devem adaptar-se às novas realidades tecnológicas e sociais para se tornarem mais eficazes. O FBI, ao longo das décadas, investiu pesadamente em inteligência artificial, análise de big data, biometria e vigilância digital para combater o crime de forma proactiva (Schlosser, 2018).

Para empoderar o SIC dentro desta lógica de modernização, é necessário um investimento massivo em tecnologia forense e digital para permitir o uso de inteligência artificial e big data na investigação criminal. Como destaca Ratcliffe (2008), a inteligência criminal baseada em dados permite uma actuação mais estratégica para prevenir crimes antes que ocorram e optimizar recursos.

Além disso, para se alinhar às melhores práticas internacionais, o SIC deve:

● Criar uma rede integrada de informações com outras instituições para permitir um banco de dados nacional unificado sobre criminosos, modus operandi e padrões de crime.

● Implementar sistemas de vigilância digital e análise de dados preditiva, como faz o FBI na sua abordagem contra crimes cibernéticos.

● Capacitação em cibersegurança e crimes financeiros, áreas cada vez mais relevantes no combate ao crime organizado.

3. A Influência da CIA na Operacionalização do FBI e o Alinhamento Estratégico do SIC

Nos Estados Unidos, a relação entre o FBI e a CIA (Central Intelligence Agency) demonstra como a colaboração entre órgãos de inteligência e investigação pode fortalecer a segurança nacional. Enquanto o FBI foca em crimes federais e segurança interna, a CIA actua no campo da espionagem e inteligência externa (Lowenthal, 2016). Essa parceria garante que ameaças internacionais, como terrorismo e crime organizado transnacional, sejam combatidas de forma integrada.

Em Angola, o SIC deve estabelecer um alinhamento estratégico sólido com instituições como o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), o Ministério Público, Banco Nacional de Angola (BNA) e outras. Essa colaboração permitiria uma abordagem mais eficaz contra crimes financeiros, corrupção, terrorismo e outras ameaças que exigem partilha de inteligência e actuação coordenada.

Como destacam Goldsmith e Sheptycki (2007), a segurança pública moderna depende cada vez mais de redes interinstitucionais e da capacidade de troca de informações entre diferentes sectores da administração pública e do sector privado.

4. O Papel da Governação na Segurança Pública

A governação policial eficiente exige transparência, coordenação interinstitucional e accountability (Johnston & Shearing, 2003). Nos EUA, o FBI responde directamente ao Departamento de Justiça e ao Congresso, garantindo que as suas acções sejam monitorizadas para evitar abusos de poder. Essa supervisão permite que o órgão mantenha um alto nível de credibilidade e eficiência.

Em Angola, o SIC poderia ser fortalecido através de:

■ Reformas legais que garantam mecanismos de supervisão e transparência nas suas investigações.

■ Maior articulação com o Ministério Público para garantir que as provas colectadas tenham valor jurídico sólido.

■ Melhoria da comunicação com a sociedade para promover um canal de denúncias moderno e protegido, permitindo maior confiança da população na actuação do SIC.

Como apontam Loader e Walker (2007), a segurança pública deve ser tratada como uma responsabilidade compartilhada entre o Estado e a sociedade civil, com instituições de investigação a actuarem de maneira transparente e eficaz.

Finalmente, é importante referir que o SIC enfrenta um dilema: pode evoluir para uma agência de investigação criminal moderna e eficaz, comparável ao FBI, ou continuar a ser um órgão subordinado dentro de uma estrutura burocrática que limita a sua capacidade de actuação. Para atingir o nível das melhores agências internacionais, o SIC precisa de autonomia institucional, investimentos em tecnologia e uma governação baseada na transparência e eficiência.

Como argumenta Bayley (2006), a profissionalização das forças de segurança e a incorporação de tecnologia são elementos fundamentais para a criação de uma polícia investigativa eficiente. Angola tem o potencial para construir uma agência de elite na investigação criminal – cabe ao Estado e à sociedade promover as reformas necessárias para alcançar esse objectivo.

Com a estratégia certa, o SIC pode deixar de ser apenas mais um braço da polícia e tornar-se a referência nacional na investigação criminal. Mas, se nada for feito, continuará a ser apenas um órgão secundário, longe de se transformar no FBI angolano que o país precisa.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.




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