Opinião
Seguro de saúde obrigatório em Angola: necessidade ou utopia?
O acesso ao seguro de saúde em Angola continua a ser uma questão premente, com milhões de cidadãos sem cobertura adequada e enfrentando um sistema de saúde com grandes lacunas. Embora existam algumas iniciativas no sector privado e no sistema público, a realidade é que muitas pessoas ainda não possuem um cartão de seguro de saúde, o que limita o seu acesso a tratamentos essenciais.
A falta de uma visão estratégica por parte das empresas de seguros de saúde e do Governo contribui para a fragmentação do serviço, criando uma desigualdade crescente no acesso aos cuidados de saúde. Neste contexto, surge a questão: seria a implementação de um seguro de saúde obrigatório uma solução viável ou uma utopia distante para a realidade angolana?
O Sistema de Seguro de Saúde da Alemanha: Um Modelo a Seguir
O sistema de saúde da Alemanha, um dos mais bem-sucedidos do mundo, pode fornecer valiosas lições para Angola. Baseado num modelo misto de seguro público e privado, o sistema alemão garante cobertura universal, independentemente da classe social. As contribuições para o financiamento do sistema são feitas por empregadores e empregados, o que assegura que a maioria da população tenha acesso a cuidados médicos de alta qualidade. Na Alemanha, mesmo aqueles com rendas mais baixas têm acesso ao tratamento, enquanto os mais ricos contribuem de forma proporcionalmente maior. Esse modelo tem sido eficiente, com resultados positivos em termos de acesso e qualidade no atendimento.
Aplicação ao Contexto Angolano
1. Seguro de Saúde Obrigatório para Todos os Trabalhadores: Uma das principais mudanças que poderiam ser implementadas em Angola seria a obrigatoriedade do seguro de saúde para todos os trabalhadores, tanto no sector público quanto no privado. Para viabilizar esse modelo, o Governo poderia criar uma regulamentação que exigisse que todas as empresas incluíssem um plano de seguro de saúde nos contratos de trabalho dos seus colaboradores. Para o sector público, o Governo seria responsável por garantir que todos os servidores tivessem acesso ao seguro de saúde, com o financiamento sendo feito a partir dos cofres públicos.
2. Criação de um Sistema Público de Seguro de Saúde com Cobertura Universal: Além do seguro obrigatório para trabalhadores formais, seria necessária a criação de um sistema público de seguro de saúde em Angola, visando garantir que a população informal, que representa uma grande parte dos trabalhadores, também tenha acesso ao atendimento médico. O sistema poderia ser financiado por meio de contribuições progressivas, onde aqueles com maior capacidade de pagamento contribuiriam mais, enquanto os de baixa renda pagariam valores simbólicos ou seriam isentos.
3. Parcerias Público-Privadas para Garantir Acesso e Qualidade: O Governo de Angola poderia também recorrer a parcerias com o sector privado, garantindo que tanto as empresas como os cidadãos de regiões remotas tivessem acesso a serviços de saúde. Incentivos fiscais poderiam ser oferecidos às empresas privadas que construam hospitais e clínicas em regiões carentes, contribuindo assim para a ampliação do acesso à saúde em todo o país.
Políticas Públicas para Facilitar o Acesso das Populações Vulneráveis
Além de garantir o seguro de saúde obrigatório para todos os trabalhadores, é essencial que o sistema de saúde angolano se concentre em políticas públicas que atendam especialmente às populações vulneráveis, como mulheres grávidas, crianças, idosos e pessoas com deficiência. Algumas ideias inovadoras incluem:
1. Seguro de Saúde Solidário para Grupos Vulneráveis: O Governo pode criar um sistema de seguro de saúde solidário, onde os beneficiários não precisariam pagar contribuições directas. O financiamento seria feito por meio de uma alíquota do orçamento estatal, destinada a cobrir as necessidades de grupos vulneráveis como mães solteiras, crianças em idade escolar e idosos com pouca ou nenhuma fonte de rendimento.
2. Programa de Saúde Familiar: O programa “Saúde Familiar” poderia ser uma medida para oferecer cuidados regulares e preventivos às famílias de baixa renda. Médicos de família visitariam as residências, garantindo que mulheres grávidas, crianças e idosos recebessem acompanhamento contínuo, com foco na prevenção de doenças.
3. Incentivo à Formação de Profissionais de Saúde Locais: A escassez de médicos e enfermeiros em Angola é um problema significativo, especialmente nas zonas rurais. Criar uma rede de “profissionais de saúde locais” formados a partir de jovens da própria comunidade poderia ajudar a resolver essa lacuna. Esses profissionais seriam capacitados para oferecer cuidados básicos de saúde, com incentivos financeiros para trabalharem nas suas localidades.
4. Sistema de Saúde Móvel e Telemedicina: Dada a extensão territorial do país, o uso de unidades móveis de saúde que se desloquem para as regiões mais remotas seria uma solução eficiente. Além disso, a implementação de plataformas de telemedicina, como ocorre na Alemanha, poderia ampliar o acesso à saúde em áreas onde os serviços presenciais são escassos.
5. Microseguros de Saúde para Trabalhadores Informais: Como muitos angolanos trabalham no sector informal, um programa de microseguros de saúde poderia ser criado, oferecendo cobertura básica a preços acessíveis. O Governo poderia incentivar as seguradoras a desenvolver planos de microseguros, garantindo que a população informal tenha acesso a serviços de saúde.
6. Educação e Conscientização sobre Seguro de Saúde: Para garantir a adesão popular ao modelo de seguro de saúde, seria fundamental um esforço nacional de conscientização sobre os seus benefícios. Campanhas educativas, tanto em escolas quanto em comunidades, poderiam explicar como o seguro de saúde pode melhorar a vida das famílias, prevenir doenças e reduzir os custos com tratamentos de emergência.
Portanto, a implementação de um seguro de saúde obrigatório em Angola é, sem dúvida, uma necessidade urgente. Contudo, os desafios são consideráveis, principalmente devido à falta de infraestrutura, recursos financeiros e uma cultura de saúde pública estruturada. Inspirado no modelo da Alemanha, um sistema misto de seguro público e privado poderia ser adaptado à realidade angolana, com políticas públicas inovadoras para garantir que todos, especialmente as populações vulneráveis, tenham acesso a cuidados de saúde adequados. Em última análise, a adopção de um modelo de seguro de saúde obrigatório em Angola não deve ser vista como uma utopia, mas como uma necessidade imperiosa para garantir um futuro mais saudável e equitativo para todos os cidadãos.