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Savimbi era um personagem cheio de contradições afirma jornalista e escritor Angolano

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Em entrevista ao Jornal de Angola, o  jornalista e escritor Sousa Jamba afirmou que a UNITA vai ter de falar com franqueza sobre as figuras que desapareceram em circunstâncias bastante nebulosas.

 O escritor disse  ainda, que a UNITA tem de lidar com erros crassos cometidos no passado na provícia  Huambo.

O Correio da Kianda, publica alguns trechos da entrevista.

Como é que vê a UNITA hoje em função dos desafios que o país enfrenta?
A UNITA vai ter seriamente que afinar a sua máquina para ser o partido da oposição e uma alternativa credível.

 Para isso, a UNITA terá que fazer algo contra a prática de sempre de centralizar tudo. A UNITA terá que ser um partido altamente localizado, que reflecte as aspirações de várias localidades: terá que haver uma UNITA de Cabinda, Cunene, etc., mas que, ao mesmo tempo, se encaixa na estratégia geral do partido. A UNITA vai precisar de mecanismos que celebram o que é local para avançar os seus interesses nacionais.

Desde 2002 à frente da UNITA, afastando os seus principais contestatários, acha que Samakuva é o líder adequado  para o partido em função dos desafios actuais?
O Dr. Samakuva prevaleceu sobre os seus adversários em processos que foram democráticos. Ele deve agora ajudar a fortalecer a cultura de-
mocrática no partido. A questão de quem o vai  suceder não deveria ser um tabu. Em África, os partidos da oposição eventualmente passam a ter características do incumbente: redes de patrocínio começam a surgir, querelas internas aumentam, e perde-se a noção do objectivo final, o poder.

De que UNITA tem mais saudade? A dirigida pelo seu fundador Jonas Savimbi ou desta que chegou à grande cidade, com todos os seus “mais velhos”, e ficou por aqui, deixando o seu principal território étnico para trás?

Saudades não seria o termo. Continuo a tentar entender a complexidade do Dr. Savimbi, que é, sem dúvida, um dos personagens mais complexos que conheci. De 1977 a 1980, o Dr. Savimbi foi um líder altamente exemplar: corajoso, disciplinado, pronto a consultar os seus colegas, com uma visão que privilegiava a formação de militares e quadros de qualidade. Depois, surge o culto de personalidade, a eliminação física de figuras tidas como rivais ao chefe e outros males que quase cancela o que foi tão positivo nele. Aprecio muito a liderança das cidades – do Dr. Samakuva – que em 2003 soube conciliar as facções que existiam depois da morte do líder fundador. Em situações que ameaçavam a paz e o processo de reconciliação nacional, esta liderança sempre optou pelo consen-so e moderação. O Dr. Isaías Samakuva deve ser reconhecido pelo papel tão positivo em manter a UNITA intacta.

Como é que o Sousa Jamba vê à distância a política feita em Angola?

Angola está a conhecer mu-danças que estão a surpreender, pela positiva, muitos de nós da diáspora. Estamos a ver o tipo de abertura que clamávamos.

O MPLA fez mudanças inéditas na escolha do candidato a Presidente da República e alterou um modelo seguido em África pelos partidos libertadores, onde o presidente do partido é o Presidente da República. Como é que vês isso?

Isto não vai dar certo. Há vezes que a agenda dos presidentes do partido e o da República divergem em muitos pontos.


Que políticos do MPLA admira? Porquê?

Admiro o Presidente João Lourenço obviamente. Quando ele passou a ser candidato, perguntei aos meus amigos sobre ele e o consenso era de que se tratava de um militar, possivelmente um mandão. Havia também o nosso lado snobe: o senhor formou-se na União Soviética e não numa universidade Ocidental. Estamos a ver uma abertura positiva na imprensa estatal e o início de uma cultura que preza a prestação de contas. Admiro o Presidente João Lourenço de mo-mento; se um dia mudar, não haverá garantias do meu apoio. Admiro Carlos Feijó, Lopo do Nascimento e Isaac dos Anjos. Admiro o ex-Presidente José Eduardo dos Santos pela forma como optou seriamente pela reconciliação, em 2003. Ele deu espaço à UNITA e às figuras vindas das antigas FALA, que foram tratadas com muito respeito e dignidade.

A sociedade civil em Angola cresce cada vez mais e a abertura política nos últimos anos tem dado uma ajuda considerável. Como é que encaras o seu papel?

A sociedade civil tem um papel crucial numa democracia nascente como a nos-sa, onde existe uma cultura política que tende a uma bipolarização e a ver tudo em preto e branco. As redes sociais têm sido uma espécie de sociedade civil. Foi com muito orgulho que participei na campanha contra a exploração da madeira. Vejo agora, por exemplo, uma campanha em prol da educação. A sociedade civil está certamente a ter uma eminência altamente merecida na cena nacional.

Em teu entender, e do que vês, há liberdade de expressão e de imprensa em Angola?

De zero a dez na liberdade de imprensa estamos em 7,5. Precisamos de mais jornais, mais estações de televisão, mais rádios, para dar voz às várias sensibilidades no país. Precisamos de mais órgãos que reflictam a diversidade da nação. A luta por todos os direitos é contínua. Há sempre espaço para melhorar.

Como é que encaras os desafios definidos pelo Presidente da República, desde o combate à corrupção, à impunidade ou responsabilização, ao repatriamento de capitais que saíram do país de forma menos clara?

A visão do Presidente João Lourenço é louvável, claramente. A mesma só terá êxitos se houver uma aliança sólida com o sector privado. Em relação à corrupção, temos de fazer uma distinção entre a corrupção da “gasosazita” e o desvio de milhões que poderiam beneficiar o público ou a nação. Quando se trata de somas avultadas, a questão chave é a ética e  a cultura de prestação de contas. Vejo o Presidente João Lourenço a atingir os objectivos que proclamou só numa aliança com empresários sérios.

Como é que vês o Presidente João Lourenço? Um reformador ou alguém apenas que está a dar continuidade ao rumo definido pelo MPLA?

Vejo o Presidente João Lourenço como um grande reformador – alguém que pensa numa Angola: abriu a feira agrícola no Katchiungo, que fica muito perto da Camela, e agora abriu o ano lectivo no Namibe. Vejo o Presidente João Lourenço como o nosso Presidente – de toda Angola! Num curto tempo, ele está a ganhar muita simpatia e respeito de várias componentes da sociedade. Espero que isto dure. A história está cheia de pequenas primaveras que se transformaram em autoritarismo. Espero que este não seja o caso. Para nós, da UNITA, temos um grande desafio; o  MPLA pode ter o seu Messi e nós vamos ter que ser como a selecção da Alemanha – disciplinados, organizados, altamente determinados e fazer um jogo limpo; no fim, não só poderemos partilhar os aplausos, mas poderemos até vencer o jogo.

Como é que vês a justiça angolana? Que desafios achas que ainda tem de enfrentar?

Vejo apenas de longe e tudo que se diz dela não inspira nem dá muita confiança.
Como é que reages quando ouves notícias de angolanos envolvidos  com ptoblemas com a justiça estrangeira por causa de dinheiros cuja origem não é declarada, no meio de tantas dificuldades que a maioria dos angolanos ainda vive?
Sinto-me muito mal, sobretudo, porque lá fora não somos respeitados. Dizem que viemos de países falhados. Não estou nada contra os nossos empresários investirem no Ocidente, mas deviam fazê-lo também cá.

  “Savimbi tinha um lado sem escrúpulos: no ajuste de contas a família não era poupada”

O que se passou com o escritor Sousa Jamba cujo livro “Pa-triotas”, na versão inglesa, viu retirada duas páginas que retratavam a queima de pessoas vivas acusadas de bruxaria na Jamba?
A versão em Inglês contém relatos que tocam nos aspectos negativos da UNITA, como a queima de pessoas acusadas de bruxaria. Em 1991, fui pressionado a não incluir na versão portuguesa esta questão. Naquele momento, havia uma profunda tensão entre secções da UNITA na diáspora com o Dr. Savimbi, por causa do caso Tito Chingunji. O Dr. Savimbi tinha um lado sem escrúpulos: no ajuste de contas, com ele a família e os próximos não eram poupados. Indivíduos que, acabei de saber, tinham ligações com a UNITA, acabaram por comprar todas as edições em inglês do romance “Patriotas”. Suspeito que o mesmo se passou com as edições em português. Tive que ceder a pressões, porque temia pela segurança da minha família. A UNITA vai ter que falar com franqueza sobre as figuras que desapareceram em circunstâncias bastante nebulosas. O partido vai ter que lidar com candura com os erros crassos cometidos quando o Huambo estava sob o seu controlo. Há muitos jovens que ficaram traumatizados com o autoritarismo daquele momento. A UNITA precisa mesmo de uma Comissão da Verdade. Só assim poderemos apreciar o muito que certamente é louvável e positivo no partido, que, naturalmente, vai ter que se adaptar aos novos tempos.

Como é que vias Jonas Savimbi?

Era um personagem cheio de contradições. Ele foi, em termos físicos, muito corajoso e capaz, mas havia o seu lado burguês. Uma vez, quando estive na Jamba, estava a ajudar numa tradução e ele apareceu, à madrugada, vestido de pijama de seda e óculos, com um calhamaço sobre logística em inglês na mão. Ele parecia ser um intelectual finíssimo numa biblioteca privada num chalé suíço. Ele escutava música clássica e reggae — sobretudo o Jimmy  Cliff. Ele lia muito em Francês, Português e Inglês, e escrevia nas margens dos livros com caneta de feltro preta, como se estivesse a argumentar com os autores. Havia, na sua biblioteca, vários livros sobre Winston Churchill. 

E onde estava o problema?

Para ele as aparências contavam muito. Passou a haver situações, que não presenciei, em que o intelectual e soldado que conheci desaparecia por completo. Tinha-se, então, uma figura com uma visão apocalíptica de tudo. Ele falava, então, do seu fim que seria trágico. Ele não perdoava os que, aparentemente, o teriam traído, passou-se a ter o cenário de o poder absoluto corromper de uma forma absoluta: ou estavas com ele a cem por cento ou deixavas de existir. Todo o mundo teria que deixar de falar deste alguém . Só ele, quando lhe apetecia, se referia a ele. Mais de uma década depois da sua morte, parece haver ainda muito receio na UNITA de falar abertamente de figuras como Sangumba, Kashaka Vakulukuta e da família Chingunji.




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