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Samakuva: a ‘confusão’ que pode deitar tudo a baixo

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Politicamente, nos últimos cinco anos, a UNITA ascendeu e atraiu como nunca, superando até o período em que era administrada pelo seu presidente fundador, mas para Samakuva, a julgar pelo que disse em uma entrevista na última semana, as coisas não são tão linear assim. Entretanto, para diferentes segmentos, parece que Samakuva não engoliu ainda a ideia de a direcção de ACJ não ter adoptado o seu apelo para a “reconfiguração dos discursos” e à “mudança de alianças” por parte do partido, tendo em conta as então posições contrárias entre João Lourenço (seu amigo declarado) e José Eduardo dos Santos.

A existência de divergência de posição e percepção entre Adalberto Costa Júnior e Isaías Samakuva ficou evidente já em 2019, na sequência do XIII Congresso Ordinário daquele ano, que acabou anulado dois anos depois pelo Tribunal Constitucional, pelo facto de constatar inúmeras irregularidades insanáveis.

Nesse conclave, que ficou para história como o congresso de maior disputa pelo cadeirão máximo do partido, em que concorreram Adalberto Costa Júnior, Alcides Sakala, Raul Danda, Kamalata Numa e José Pedro Katchiungo; o presidente à época, Isaías Samakuva, referiu, durante o seu discurso que serviu de abertura do magno evento, que era primordial, face à pouca convergência entre o actual Presidente da República e o seu antecessor José Eduardo dos Santos, que a UNITA reconfigurasse os discursos e fizesse uma “mudança de alianças”.

Na ocasião, de acordo com o Jornal Valor Económico, na sua edição do dia 18 de Novembro de 2019, Isaías Samakuva não explicou ao pormenor o que significava a “reconfiguração dos discursos” e a “mudança de alianças”, mas o seu propósito ficou mais ou menos claro com as declarações subsequentes. Durante o discurso, Samakuva fez duras críticas a José Eduardo dos Santos, então ainda líder do MPLA, e proferiu elogios a João Lourenço, enquanto Presidente da República (que tinha JES como um contrapeso ao seu poder) e o incentivou a continuar com a luta contra a corrupção.

Ainda no discurso de abertura do referido conclave, lê-se na referida edição do Valor Económico, Isaías Samakuva considerou que a “pátria está sob ataque de forças oligárquicas” que “capturaram o Estado e apoderaram-se da economia”, visando subjugar o povo, tendo reafirmado que “essas forças” (na altura) “estão agora em conflito entre si, porque alguém ousou romper o elo tríplice” que as mantinha unidas.

“Este facto político altera a correlação de forças e obriga os políticos a reconfigurarem o discurso e as alianças”, sublinhou Isaías Samakuva.

Entre outras observações, o então presidente da UNITA tomou por “corajosa” a posição de João Lourenço e apelou-o a continuar o “trabalho” que vinha realizando “com determinação”.

“O arquitecto da corrupção (uma referência a José Eduardo dos Santos) foi forçado a deixar o poder (…). Desde 2014 que vimos reclamando que nos explicassem o paradeiro dos mais de 130 milhões de dólares que, segundo os nossos cálculos, representam o valor do diferencial positivo do preço do petróleo que havia ficado por lei sob sua guarda. Até hoje [2019], Angola não recebeu nenhuma explicação. E tudo indica que mesmo o novo titular do Poder Executivo [João Lourenço, que ascendeu em 2017] também não terá recebido explicações detalhadas sobre a situação financeira real do país”, sublinhara Isaías Samakuva.

Em posição contrária ao seu antecessor na liderança da UNITA, Adalberto Costa Júnior, que acabara de ser eleito, optou, no seu discurso de posse, por se distanciar da leitura de Isaías Samakuva, virando o discurso para frente. Demonstrou desaprovação ao modelo de combate à corrupção seguido pelo actual Presidente da República, João Lourenço, e apontou a luta pela revisão da Constituição como uma das divisas do seu mandato, além de se ter proposto a trabalhar pela despartidarização do Estado, e visar uma comissão eleitoral independente.

Além da vontade de ver devolvidos os patrimónios do partido, o antigo presidente do Grupo Parlamentar do ‘galo negro’, no tempo em que o partido era liderado por Isaías Samakuva, defendera ainda a criação de um regulador do sistema financeiro independente do Executivo, bem como a melhoria das condições dos ex-militares e das viúvas de guerra.

Entretanto, de lá para cá, Adalberto Costa Júnior (ACJ) tem vindo a enfrentar um consulado cheio de desafios impostos por um lado pelos seus próprios companheiros de partido, que lhe querem ver a saltar do cadeirão. O congresso em que foi eleito acabou anulado a pedido de militantes da própria UNITA, e não se conhece um gesto de solidariedade por parte da anterior administração do partido, mesmo quando sofria ataques vindos de instituições públicas.

Seu consulado conseguiu resistir até aqui, muito pelo facto de se ter juntado aos mais velhos do partido, e os convenceu a abdicarem de seus lugares na Assembleia Nacional, para permitir, no quadro das eleições de 2022, que pessoas mais jovens, alheias ao partido, fossem introduzidas na lista da UNITA, no âmbito da plataforma informal Frente Patriótica Unida, em que fazem parte a UNITA (enquanto líder da organização); o Bloco Democrático, de Filomeno Vieira Lopes; e o PRA-JA, de Abel Chivukuvuku.

A estratégia de Adalberto Costa Júnior, nunca antes experimentada no país, acabou por surtir um efeito minimamente esperado, o MPLA perdeu a maioria qualificada, e já não consegue, diferente do passado, de promover por si só, uma alteração da Constituição da República.

Como nunca, a UNITA obteve 90 deputados e venceu o MPLA em Luanda, a capital do país e maior praça política, além de ter vencido também nas duas províncias maiores produtoras de petróleo, nomeadamente: Cabinda e Zaire.

… Mas tudo pode desmoronar

Apesar do resultado eleitoral conseguido anunciado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Adalberto Costa Júnior ainda enfrenta a cólera popular, que demora a perdoá-lo pelo facto de não ter colocado a UNITA na rua e convocado o povo para uma mega manifestação contra os resultados eleitorais declarados pela CNE, por serem considerados fraudulentos.

Exibindo provas, que procurava que fossem aferidas pelo Tribunal Constitucional, a UNITA acusou a CNE de ter inflacionado os números de voto que o povo depositou para o MPLA, e a recusa do tribunal em promover uma comparação dos boletins de votos em posse da UNITA e os apresentados pela CNE, levou a que boa parte da sociedade entendesse haver ‘gato’ nas posições da Comissão Nacional Eleitoral, e se manifestasse ávida por protestar nas ruas exigindo a transparência eleitoral. Entretanto, segmento considerável populacional sente-se traído por ACJ pelo facto de o presidente da UNITA ter optado por uma postura contrária, com medo que tal gerasse um “banho de sangue” nas ruas.

A atitude de Adalberto Costa Júnior rendeu-lhe uma significativa desaprovação popular, e isso pode ter custos nas próximas eleições previstas para 2027, associado a esse distanciamento popular em relação a ACJ, surge Isaías Samakuva, que vem baralhar tudo.

Por um lado, não é fácil levantar suspeitas de traição sobre Samakuva e atribuir-lhe uma imagem de político vendido, face a tudo que fez pela UNITA, por outro lado, o próprio dá indicadores que facilmente levam a essa conclusão. Porém, independentemente do que se possa dizer sobre o seu regresso aos holofotes, o que é facto é que a postura de confrontação de Isaías Samakuva contra o seu substituto cria junto do eleitor uma sensação de desorganização e confusão por parte da UNITA, factos que podem concorrer para a fuga de eleitores, e concomitantemente a perda da performance conseguida nas eleições de 2022.

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