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Opinião

Retomada do Palácio Presidencial: reconfiguração do poder no conflito sudanês

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A retomada do Palácio Presidencial em Cartum pelo exército sudanês constitui um marco simbólico e estratégico num conflito que já ceifou dezenas de milhares de vidas e deslocou 12 milhões de pessoas. Após dois anos de confronto, a ação militar que resultou na expulsão das Forças de Apoio Rápido (FAR) do centro de Cartum evidencia a intenção do exército, liderado pelo General Abdel Fattah Burhan, de reconstituir o controlo estatal e avançar para uma vitória total, como afirmado pelo porta-voz Nabil Abdallah.

Esta ofensiva tem implicações relevantes na dinâmica interna do Sudão, onde a disputa de poder entre Burhan e o seu ex-vice, Mohamed Hamdan Dagalo (Hemeti), tem marcado o cenário político e militar desde abril de 2023. A retomada do palácio, anteriormente ocupado pelas FAR, não só representa uma reversão táctica, mas também uma aposta na restauração da autoridade central. Contudo, permanece a incerteza quanto à capacidade do exército de consolidar o controlo, dado que as FAR ainda mantêm presença em zonas periféricas.

Num contexto humanitário alarmante, onde a violência agravou a crise alimentar e de deslocação sendo que, na Grande Cartum, milhões foram forçados a abandonar as suas casas e 100 mil pessoas enfrentam a subnutrição, conforme dados da ONU a retomada do palácio assume também uma dimensão simbólica para a esperança de estabilidade. No entanto, a eficácia desta ação militar deve ser avaliada com rigor, considerando que o poder de facto retomar um espaço simbólico não implica automaticamente a resolução das profundas divisões políticas e sociais que alimentam o conflito.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, esta operação pode ser interpretada como uma tentativa do governo militar de reestabelecer a imagem de uma autoridade forte e determinada, capaz de impor ordem num cenário marcado pela fragmentação e pela violência. Entretanto, a reconfiguração do poder em Cartum levanta questões sobre a viabilidade de uma transição que inclua uma representação mais ampla da sociedade civil uma aspiração que ficou mais evidente nos protestos que exigiam um conselho de transição com participação civil.

A resposta das FAR, que até ao momento não se pronunciou de forma clara, e o potencial agravamento do conflito, evidenciam que a retomada do palácio é apenas um capítulo num processo de instabilidade prolongada. A comunidade internacional observa com preocupação, sobretudo países da região como Egito e os Emirados Árabes Unidos, que temem a propagação de uma revolução interna e a possível influência de grupos radicais. Assim, o episódio reforça a necessidade de um esforço diplomático conjunto que vise a construção de um caminho para a paz e a reconciliação, mesmo que a viabilidade de uma solução política ainda pareça remota.

Em suma, a retomada do Palácio Presidencial por parte do exército sudanês sinaliza uma reconfiguração do poder num cenário de conflito violento, mas levanta também o desafio de transformar um avanço militar num processo sustentável de estabilização política e social, sem negligenciar as urgentes necessidades humanitárias que assolam o país.

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