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Opinião

Renúncia e perda de mandato do deputado em Angola: uma necessária reflexão

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O regime constitucional angolano define que o mandato parlamentar provém da soberania popular, sendo o Deputado investido na função pela Assembleia Nacional, contudo, validado previamente pelo Tribunal Constitucional. A legitimidade originária do mandato reside no voto popular, e a Assembleia Nacional apenas confere posse ao Deputado eleito, sem possuir competência para retirar-lhe unilateralmente o mandato.

Verifica-se um entendimento errôneo e um procedimento questionável na perda de mandato de Deputados, como ocorreu recentemente com sete ex-Deputados eleitos pela lista da UNITA afectos ao partido PRA-JA, bem como, em momentos anteriores, com a ex-Deputada Tchizé dos Santos do (MPLA) e o ex-Deputado Alberto Catenda da (UNITA).

Juridicamente, é fundamental distinguir entre renúncia, destituição e perda de mandato. A renúncia é um acto unilateral e voluntário do Deputado, enquanto a destituição é um processo que deve ser instaurado em casos expressamente previstos na Constituição e na lei. A perda de mandato, por sua vez, não pode ser entendida como um acto autônomo de um órgão político, ainda que de soberania, pois decorre diretamente da renúncia ou da destituição.

Neste sentido, a natureza do mandato parlamentar deve ser devidamente compreendida: se um Deputado ostenta um mandato por via de eleição, a única forma legítima de retirar coercivamente esse mandato deve ser por meio de um processo de destituição. A Assembleia Nacional pode suspender o mandato de um Deputado nos casos específicos previstos na Constituição, nos termos disposto no artigo 151º. Mas jamais deliberar de forma definitiva sobre a perda do seu mandato sem um processo conduzido e decidido pelo Tribunal Constitucional.” O princípio da legalidade exige que qualquer restrição ao exercício do mandato parlamentar seja determinada por normas claras e previamente estabelecidas, vedando-se soluções políticas arbitrárias.” José Joaquim Gomes Canotilho, na sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

A Constituição angolana estabelece no artigo 129º um modelo adequado para o processo de destituição do Presidente da República, cuja à sua eleição e extensão do mandato seguem os mesmos moldes dos Deputados, apenas o modo de exercício é que difere. No entanto, enquanto a renúncia do Chefe de Estado é processada e reconhecida na Assembleia Nacional, com conhecimento ao Tribunal Constitucional, a sua destituição não se esgota ali: é o Tribunal Constitucional que deve julgar a legalidade e a legitimidade constitucionalidade do acto. O mesmo princípio deveria ser aplicado aos Deputados, garantindo que a Assembleia Nacional possa suspender o mandato de um parlamentar, mas jamais deliberar sobre a sua perda, que deve ser processada e decidida pelo Tribunal Constitucional.

Atualmente, existe um vazio regimental sobre a figura da destituição de um Deputado e sobre qual órgão que deve conduzir esse processo. O Regimento da Assembleia Nacional não deve permitir que a perda de mandato seja tratada como um acto puramente político, mas sim como um processo formal e juridicamente sustentado pela constituição, cuja decisão final deve caber ao Tribunal Constitucional.

Diante deste cenário, impõe-se a necessidade de uma revisão do Regimento Interno da Assembleia Nacional e leis conexas, de modo a clarificar e ajustar o procedimento para a destituição de Deputados, assegurando que a perda de mandato ocorra apenas como consequência da renúncia ou de um processo de destituição conduzido pelo Tribunal Constitucional. Isso não apenas garantiria maior estabilidade ao mandato parlamentar e o equilíbrio entre os poderes do Estado, mas também fortaleceria o Estado Democrático de Direito e a segurança jurídica no País.

O recente caso dos sete Deputados, bem como os precedentes de Tchizé dos Santos e Alberto Catenda, demonstram a urgência desta revisão regimental. O atual modelo permite a instrumentalização política da Assembleia Nacional e fragiliza a representatividade parlamentar, minando a confiança da população no sistema político.

Por isso, os Deputados que perderam os seus mandatos devem recorrer ao Tribunal Constitucional, pois possuem fundamentos jurídicos sólidos e plena legitimidade para verem os seus direitos salvaguardados enquanto representantes eleitos pelo povo. O Parlamento não pode decidir, por si só, sobre a perda de mandato de um Deputado sem despoletar um devido processo de destituição. “Nenhum órgão político pode ser juíz em causa própria; daí a importância da separação entre quem acusa, quem julga e quem executa as decisões.” Montesquieu, no seu livro O Espírito das Leis.

Dessa forma, é necessário que a sociedade civil, a academia jurídica e os atores políticos se mobilizem para corrigir este vício do sistema, garantindo que nenhum Deputado perca o mandato por meio de um acto meramente político da Assembleia Nacional. Somente assim se poderá consolidar uma democracia robusta e um Parlamento verdadeiramente independente.

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