Opinião
Relações Rússia‐Guiné‐Bissau: entre a Realpolitik e os Desafios Democráticos
Num cenário global cada vez mais complexo, a recente manifestação de apoio do presidente russo Vladimir Putin ao mandatário da Guiné‐Bissau, Homaro Sissoko Hembaló, assume contornos que ultrapassam o mero protocolo diplomático. A visita de Estado do presidente guineense a Moscovo, marcada pela troca de votos para que Hembaló permaneça no cargo e mantenha laços estreitos com a Rússia, revela uma estratégia de realpolitik onde os interesses geopolíticos parecem sobrepor-se à urgência de uma transição democrática genuína. Em meio a um clima de instabilidade interna na medida em que a oposição acusa o governo de manobras para prolongar o poder e tal aproximação suscita inquietações que exigem uma análise rigorosa, desapaixonada e, sobretudo, crítica.
A mensagem de Putin pode ser interpretada como um movimento estratégico, destinado a expandir a influência russa na África, região onde a disputa por parcerias políticas e económicas se intensifica diariamente. A Rússia, há muito empenhada em reposicionar-se no tabuleiro global, vê na Guiné‐Bissau um parceiro potencial cujo ambiente conturbado pode ser capitalizado para reforçar a sua presença. Este apoio, longe de ser um mero gesto de cortesia, evidencia uma aposta numa estabilidade que, embora aparente, mascara a fragilidade dos processos democráticos e perpetua práticas autoritárias que minam a evolução política do país.
Para o governo guineense, o endosso de um actor de relevo internacional funciona como um instrumento de legitimação, capaz de atenuar as críticas e consolidar uma imagem de estabilidade. Contudo, a estreita relação com Moscovo impõe questionamentos fundamentais: como conciliar a manutenção de alianças estratégicas com a necessidade imperiosa de reformas internas? Exemplos históricos como a relação entre a Rússia e determinados países do Médio Oriente demonstram que o apoio político pode transformar-se num fator de dependência, dificultando a implementação de mudanças estruturais essenciais. Assim, enquanto a proximidade com a Rússia pode proporcionar uma estabilidade imediata, corre-se o risco de perpetuar um ciclo de instabilidade e retrocesso democrático.
Urge, por conseguinte, antecipar cenários futuros com base numa previsão realista dos riscos e oportunidades. A continuidade da parceria com a Rússia deve vir acompanhada de um compromisso firme com a modernização institucional, a transparência e a accountability. Sem reformas profundas, a Guiné‐Bissau poderá ver-se progressivamente isolada no panorama internacional, com impactos deletérios no desenvolvimento económico e social. A aposta num regime que se sustenta exclusivamente em alianças transacionais não só fragiliza os alicerces democráticos, como também compromete a capacidade do país de se renovar e de responder às legítimas aspirações de sua população.
Neste contexto, é imperativo que as autoridades guineenses sejam advertidas contra soluções simplistas. A resposta não pode limitar-se à manutenção de relações estratégicas, pois tais parcerias, ainda que vantajosas a curto prazo, podem funcionar como freios ao progresso e à consolidação de uma verdadeira cultura democrática. É necessário criar mecanismos de supervisão e de transição de poder que assegurem uma alternância política ordenada e transparente, estimulando, paralelamente, um processo de inclusão social e de combate à corrupção.
A experiência de nações que superaram períodos de instabilidade através de reformas estruturais e de uma política de abertura e diálogo deve servir de exemplo para a Guiné‐Bissau. A construção de um projeto nacional que integre as diversas vozes da sociedade e promova a alternância no poder é a solução para evitar que a influência externa se converta numa armadilha. Assim, cabe não só aos governantes, mas também à comunidade internacional, fomentar um equilíbrio entre os interesses geopolíticos e o imperativo de uma governança ética e transparente, de forma a transformar o atual cenário num ponto de viragem para um futuro de progresso e estabilidade.