Opinião
Reforma fiscal em Angola: solução económica ou fardo para os cidadãos?
A Reforma Fiscal em Angola tem sido um tema de intenso debate, suscitando questões fundamentais sobre a equidade e a eficácia do sistema tributário. Será esta reforma um passo essencial para garantir o desenvolvimento sustentável do país ou apenas um fardo adicional para cidadãos e empresários?
Durante décadas, Angola manteve-se excessivamente dependente das receitas do petróleo, que garantiram crescimento em certos períodos, mas também expuseram a economia a severas crises quando os preços internacionais caíram. A crise económica de 2014 evidenciou a vulnerabilidade desse modelo, forçando o governo a repensar sua estrutura fiscal. A modernização do sistema tributário, a ampliação da base de arrecadação e o combate à informalidade tornaram-se prioridades.
Contudo, a implementação de novas medidas fiscais tem gerado preocupações. Pequenos empresários, profissionais liberais e cidadãos de baixa renda frequentemente sentem o impacto de uma carga tributária que parece crescer sem que haja melhorias significativas nos serviços públicos. Além disso, a falta de transparência na aplicação dos recursos arrecadados alimenta a desconfiança na administração fiscal.
Diante desse cenário, este artigo analisa a evolução da Reforma Fiscal em Angola, seus principais desafios e as possíveis soluções para tornar o sistema tributário mais eficiente, justo e sustentável. A abordagem será feita com base em estudos de especialistas, relatórios institucionais e experiências internacionais que possam servir de referência para o contexto angolano.
1. A Evolução da Reforma Fiscal em Angola
A necessidade de reformar o sistema fiscal angolano tornou-se evidente na década de 2010, quando as oscilações dos preços do petróleo começaram a afectar severamente as receitas públicas. Diante deste cenário, o Governo lançou o Projecto Executivo para a Reforma Tributária (PERT), estabelecido pelo Decreto Presidencial n.º 155/10, com o objectivo de modernizar a estrutura tributária, fortalecer a arrecadação e melhorar o ambiente de negócios no país (Banco Mundial, 2018).
Os avanços mais significativos ocorreram a partir de 2014, quando novos códigos tributários foram implementados para actualizar a legislação e ampliar a base de arrecadação. No entanto, apesar destes esforços, o sistema continuou a apresentar fragilidades, especialmente devido à complexidade das normas, à elevada carga tributária para certos sectores e à baixa eficiência na fiscalização (Martins & Sousa, 2019).
Em 2020, novas medidas foram adoptadas para melhorar o ambiente de negócios, incluindo a redução da taxa geral do Imposto Industrial de 30% para 25% e a criação de um regime fiscal especial para pequenos negócios. No entanto, algumas mudanças geraram preocupações, como o aumento da retenção na fonte para serviços prestados por entidades não residentes de 6,5% para 15%, o que poderia desencorajar investimentos estrangeiros (PwC Angola, 2021).
Actualmente, Angola prepara-se para a introdução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC), previsto para 2025, que unificará tributos como o Imposto Industrial, o Imposto sobre Aplicação de Capitais e o Imposto Predial. Essa unificação visa simplificar o sistema tributário e alinhá-lo às melhores práticas internacionais (Ernst & Young, 2023).
2. Principais Desafios da Reforma Fiscal
Apesar dos avanços já realizados, a Reforma Fiscal em Angola enfrenta obstáculos estruturais que precisam ser superados para que o país alcance um sistema tributário mais eficiente e equitativo. Os principais desafios incluem:
Complexidade do Sistema Tributário: O actual modelo tributário angolano ainda é excessivamente burocrático, dificultando o cumprimento das obrigações fiscais por parte das empresas e dos cidadãos (FMI, 2022).
Elevada Informalidade Económica: Uma grande parcela da economia angolana opera de maneira informal, reduzindo a capacidade do Estado de financiar políticas públicas (Schneider & Enste, 2013).
Carga Tributária Desproporcional: Muitas pequenas e médias empresas (PMEs) enfrentam dificuldades devido à elevada carga tributária, o que pode desincentivar o empreendedorismo (Mendes, 2021).
Dependência Excessiva do Petróleo: A instabilidade dos preços do petróleo afecta directamente as finanças do Estado, tornando urgente a diversificação das fontes de receita (Banco Africano de Desenvolvimento, 2022).
Falta de Transparência na Aplicação dos Impostos: A desconfiança da população em relação à gestão dos recursos arrecadados compromete a eficácia do sistema fiscal (Transparency International, 2023).
3. Medidas Desejáveis para uma Reforma Fiscal Sustentável
Diante destes desafios, algumas estratégias podem ser implementadas para tornar o sistema tributário mais eficiente e equitativo:
Simplificação e Unificação do Sistema Tributário: Criar um Código Tributário Unificado, reduzindo a burocracia e tornando os tributos mais compreensíveis (Musgrave & Musgrave, 1989).
Ampliação da Base Tributária: Incentivar a formalização de empresas por meio de regimes fiscais simplificados e incentivos tributários (De Soto, 2000).
Justiça Fiscal e Redistribuição: Implementar impostos progressivos sobre o rendimento, garantindo que os mais ricos paguem proporcionalmente mais (Piketty, 2013).
Redução da Dependência do Petróleo: Criar incentivos fiscais para sectores estratégicos como a agricultura, a indústria e o turismo (Banco Mundial, 2020).
Transparência e Responsabilidade Fiscal: Criar um portal de transparência fiscal, permitindo que os cidadãos acompanhem a aplicação dos impostos arrecadados (OECD, 2019).
Portanto, a Reforma Fiscal em Angola é um processo inevitável e necessário para garantir a estabilidade económica e promover um crescimento inclusivo. No entanto, a grande questão que se impõe é se este processo está, de facto, a ser conduzido para beneficiar a economia e os cidadãos, ou se está a tornar-se um peso adicional para empresas e trabalhadores.
Embora as mudanças na legislação tenham modernizado certos aspectos do sistema tributário, a percepção geral é de que a carga fiscal ainda recai desproporcionalmente sobre os pequenos negócios e os trabalhadores comuns, enquanto grandes empresas encontram formas de optimizar a sua tributação. Além disso, a confiança na aplicação dos impostos arrecadados continua baixa, tornando essencial a implementação de mecanismos de transparência e responsabilidade fiscal.
A digitalização dos processos fiscais, a simplificação do sistema tributário e a criação de incentivos para sectores produtivos são medidas fundamentais para transformar a tributação num motor do desenvolvimento e não num obstáculo ao crescimento. Angola tem a oportunidade de aprender com as melhores práticas internacionais e adaptar suas políticas fiscais para construir um futuro mais equilibrado.
A reforma pode ser um caminho para o desenvolvimento ou um fardo económico—a resposta dependerá das escolhas políticas e económicas feitas nos próximos anos.