Análise
Refinarias em Angola: entre a busca da soberania energética e os desafios da sustentabilidade
O sistema logístico de combustíveis constitui um dos eixos centrais para o desenvolvimento económico e social de qualquer país, garantindo não apenas o abastecimento energético, mas também a mobilidade de pessoas, mercadorias e serviços. A nível global, empresas como a ExxonMobil, Shell, BP e Petrobras construíram redes integradas de produção, transporte, armazenamento e distribuição, apostando na diversificação tecnológica e na eficiência logística como vantagem competitiva (Christopher, 2016).
Segundo Ballou (2006), a logística moderna não deve ser vista apenas como um processo operacional, mas como um sistema estratégico, no qual a confiabilidade e a segurança do abastecimento energético são factores determinantes para a competitividade de países e regiões.
1. A Refinaria de Cabinda: Um Novo Marco Energético
A Sonangol, em parceria com a Gemcorp, prepara-se para inaugurar a Refinaria de Cabinda, empreendimento que se tornará um dos pilares estratégicos da indústria petrolífera nacional e um símbolo de confiança no futuro de Angola.
Com capacidade total de 60.000 barris por dia, a unidade entrará em funcionamento com 30.000 barris diários na primeira fase. O projecto vai produzir gasóleo, combustível de aviação, fuelóleo pesado e nafta, assegurando o abastecimento interno, reduzindo a dependência de importações e criando excedentes para exportação.
O investimento global ascende a 473 milhões de dólares, dos quais 335 milhões resultaram de financiamento internacional, evidenciando a credibilidade do país junto de parceiros globais. Mais do que um empreendimento industrial, a Refinaria de Cabinda traduz-se em emprego, capacitação e inovação. Até ao momento, já foram gerados 3.300 postos de trabalho directos e formados 700 quadros nacionais, com o compromisso de atingir 5.000 técnicos qualificados ao longo dos próximos meses.
A nova infraestrutura foi desenhada com tecnologias de ponta e integra uma unidade de zero flaring, reforçando o compromisso da Sonangol com a sustentabilidade, a segurança e as melhores práticas internacionais. Este será um passo decisivo para a soberania energética de Angola, consolidando o protagonismo da Sonangol como motor de desenvolvimento económico e social, em linha com a visão do Executivo para o futuro do país.
2. Logística de Combustíveis na Região da SADC
A nível regional, a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) procura integrar os sistemas logísticos energéticos dos seus membros, criando corredores estratégicos para o transporte de combustíveis, como os corredores de Maputo, Lobito, Beira e Durban. Estes corredores têm como objectivo reduzir custos de transporte e facilitar o acesso a países sem litoral, como a Zâmbia, o Zimbabué e o Malawi (SADC, 2020).
De acordo com Notteboom & Rodrigue (2019), a competitividade regional depende da criação de hubs logísticos energéticos, capazes de conectar portos marítimos a oleodutos e ferrovias, promovendo maior integração entre produtores e consumidores de energia. Angola, com o Corredor do Lobito e agora com a Refinaria de Cabinda, pode desempenhar um papel crucial no abastecimento de combustíveis para países vizinhos, aproveitando a sua posição geoestratégica.
3. O Papel da Sonangol em Perspectiva Comparada
Ao analisar o papel da Sonangol no sistema logístico angolano e regional, é pertinente compará-la a empresas como a Petrobras, no Brasil, e a Equinor (ex-Statoil), na Noruega.
A Petrobras destaca-se pela capacidade de integrar a logística de combustíveis com inovação em biocombustíveis e energias renováveis, garantindo a diversificação da matriz energética.
A Equinor transformou-se num exemplo global de empresa de energia sustentável, expandindo-se do petróleo para o gás natural e as energias renováveis, com forte investimento em infraestruturas logísticas inteligentes e digitais.
A Saudi Aramco, por sua vez, consolidou-se como um poder logístico global, administrando uma das maiores redes de oleodutos e reservas estratégicas do planeta.
A Sonangol, em contrapartida, ainda está em fase de reestruturação e modernização, devendo reforçar a eficiência logística, promover a regionalização do abastecimento, investir em refinação local e adoptar soluções digitais (blockchain, IoT e big data) para gestão das cadeias de fornecimento de combustíveis.
Segundo Porter (1998), a vantagem competitiva de uma empresa ou nação reside na sua capacidade de criar valor de forma eficiente. Assim, a Sonangol deveria não apenas garantir a soberania energética de Angola, mas também posicionar-se como líder logística na região da SADC, exportando não só combustíveis, mas também know-how em gestão de cadeias energéticas.
É importante reconhecer que a inauguração da Refinaria de Cabinda marca um ponto de viragem para Angola. Mais do que uma infraestrutura de refinação, ela é um teste à capacidade da Sonangol de evoluir de uma empresa essencialmente exportadora de crude para uma empresa de logística integrada, capaz de garantir soberania energética a Angola e influência regional na SADC.
Se seguir o caminho de empresas como a Petrobras, a Equinor e a Aramco, a Sonangol poderá transformar Angola numa potência energética e logística do sul de África. Mas, se repetir erros do passado, o país continuará refém da importação de derivados e da instabilidade no abastecimento, hipotecando, mais uma vez, o sonho da soberania energética.