Análise

Rafael Massanga Savimbi: herdeiro ou reformador?

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A política é, antes de tudo, o palco onde o passado disputa espaço com o futuro. A recente declaração de pré-candidatura de Rafael Massanga Savimbi à presidência da UNITA reabre um debate fundamental: estará o partido diante de um herdeiro que perpetua o legado ou de um reformador que o desafia para o futuro?

O nome “Savimbi” carrega um peso histórico inegável. É símbolo de luta, de resistência e de visão nacionalista. Contudo, como diria Achille Mbembe (2021) em Out of the Dark Night, “os legados libertadores em África vivem entre a glória da memória e o fardo da expectativa”. É neste entremeio que Massanga Savimbi se posiciona, entre a reverência ao passado e a urgência de inovar um partido que se quer alternativo, moderno e competitivo.

1. Entre a Herança e a Inovação

O discurso de pré-candidatura é cuidadosamente tecido sobre a narrativa da linhagem histórica: a Batalha do Bailundo, o Projecto de Muangai e a coragem ancestral. A evocação do passado é uma estratégia eficaz de legitimação simbólica.

Segundo Luís Cordeiro-Rodrigues (2024), “a memória política angolana é uma arma de reexistência, mas pode também ser o muro que impede a reinvenção”.

Esta afirmação resume o dilema da UNITA: como manter viva a chama de Muangai sem que ela se transforme num museu político? Massanga Savimbi, ao citar os heróis e ao reafirmar os valores fundacionais, demonstra respeito pela história. Mas é na sua promessa de rejuvenescimento ideológico e na aposta em “inovação, inclusão e juventude” que se percebe um esforço de reforma discursiva, um sinal de que quer ser mais do que um continuador.

2. A Retórica da Esperança e o Desafio do Conteúdo

O slogan “Todos Contam” é, em termos comunicacionais, uma das ideias mais fortes do discurso.

De acordo com Thabiso Muswede (2022), no estudo Digital Media and African Political Engagement, o poder das campanhas políticas modernas reside na capacidade de transformar slogans em acções tangíveis. Assim, a pergunta que se impõe é: “Todos contam… mas quem conta de verdade dentro da UNITA?”

O desafio do novo discurso político angolano é transformar a retórica em proposta, o apelo emocional em programa de governação.

Como salienta Donatella Della Porta (2020), “a eficácia de um discurso político depende da articulação entre emoção e racionalidade, o pathos mobiliza, mas é o logos que constrói confiança”.

Massanga Savimbi emociona, mobiliza e inspira, mas o eleitor de hoje, saturado de promessas, exige também planos concretos, metas e prazos

3. A Juventude como Novo Motor da Política

A ênfase na juventude é um ponto alto e coerente. Num país em que mais de 65% da população tem menos de 30 anos, a ideia de uma UNITA rejuvenescida e digital é estratégica e necessária.

Autores como Oguchi Onyeizu Ajaegbu e Chigozirim Ajaegbu (2024) defendem que “a juventude africana é a nova elite política em gestação, movida por redes digitais, empreendedorismo e consciência cívica”.

O desafio de Massanga Savimbi será, portanto, traduzir a energia da juventude em participação real dentro da estrutura do partido, abrindo espaço para novas lideranças e quebrando resistências internas que ainda privilegiam o tradicionalismo político.

4. A Descolonização do Discurso e o Futuro da UNITA

Um dos aspectos mais interessantes do seu discurso é a tentativa de reconectar a UNITA à sociedade civil, às comunidades e às “forças vivas da Nação”.
Esta abordagem enquadra-se no que Bruce Mutsvairo e Blessing Karam (2022) chamam de decolonising political communication, isto é, libertar a linguagem política africana dos modelos ocidentais e torná-la orgânica, culturalmente enraizada e socialmente dialogante.

A proposta de Massanga Savimbi de uma UNITA mais inclusiva e menos elitista poderá marcar um novo paradigma de comunicação política angolana, se conseguir transformar esta retórica de proximidade em mecanismos concretos de participação social.

5. Entre o Nome e a Nação

Carregar o nome Savimbi é, ao mesmo tempo, bênção e desafio.
Bênção, porque invoca respeito e confiança numa base histórica fiel; desafio, porque o eleitor contemporâneo exige mais do que símbolos.
Como diria Ngũgĩ wa Thiong’o (2020), “as nações não se constroem apenas de memórias, mas de reinvenções”.

Massanga Savimbi parece compreender que o peso do seu nome só se converterá em força se for acompanhado por novas ideias, novas práticas e uma nova visão de Angola.

6. Conclusão: A Encruzilhada da UNITA

A pré-candidatura de Rafael Massanga Savimb é, em si mesma, um sinal de vitalidade democrática dentro da UNITA. No entanto, o desafio é claro: herdar sem repetir, renovar sem romper.

Se conseguir unir a força simbólica do seu sobrenome com a ousadia reformadora da sua geração, poderá representar a ponte entre a memória e o futuro, entre o legado e a inovação.

A UNITA, aos 59 anos, encontra-se diante de uma encruzilhada histórica. Como diria Amílcar Cabral (revisitado por Cordeiro-Rodrigues, 2024), “a libertação nunca é definitiva, é um processo contínuo de criação e consciência”.

Assim, o sucesso da candidatura de Massanga Savimbi dependerá da sua capacidade de transformar a emoção em projecto e o passado em alicerce para uma nova Angola, verdadeiramente livre, justa e participativa.

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