Opinião
Quem tem direito à cultura? A luta do bairro contra a exclusão cultural!
A cultura é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento social, económico e identitário de uma comunidade. No contexto das políticas públicas municipais, a massificação da prática cultural e da arte comunitária deve ser estruturada de forma sistemática, promovendo a integração entre a escola, a comunidade e as cooperativas culturais. A valorização do bairro como principal unidade de prática cultural e artística fortalece a cidadania, a inclusão social e o sentido de pertença colectiva. No entanto, para que esta política tenha êxito, é fundamental investir na construção de infra-estruturas comunitárias adequadas, garantindo espaços físicos que viabilizem a produção, a circulação e a fruição das expressões artísticas.
Cooperativas Culturais e a Gestão Participativa da Cultura
A criação de cooperativas que dialoguem com a prática cultural e a arte escolar permite a organização de agentes culturais, promovendo um modelo de governação colaborativa. Segundo Pierre Bourdieu (1992), a cultura e a arte não são apenas expressões estéticas, mas também mecanismos de reprodução e transformação social. Desta forma, a cooperação entre artistas, educadores e gestores municipais pode gerar um ecossistema cultural sustentável e acessível.
As cooperativas culturais possibilitam a profissionalização da cultura, garantindo oportunidades de trabalho para artistas locais e democratizando o acesso à arte. O economista Paul Singer (2002), ao tratar da economia solidária, destaca que as cooperativas oferecem um modelo de autogestão que empodera os trabalhadores e permite um desenvolvimento económico mais justo e inclusivo. Aplicado ao sector cultural, este modelo pode fortalecer circuitos locais de produção artística e ampliar a oferta de actividades formativas.
Além disso, as cooperativas podem actuar na gestão de infra-estruturas culturais comunitárias, assegurando que os espaços criados sejam utilizados de forma democrática e eficiente. Este modelo evita a burocratização excessiva e torna a cultura mais acessível à população.
O Bairro como Unidade de Prática Cultural e Artística
No planeamento de políticas públicas municipais de cultura, é essencial que o bairro seja a célula básica de implementação das acções culturais. Milton Santos (1994) argumenta que o espaço geográfico deve ser compreendido como um território vivido, no qual a cultura se materializa através das interacções sociais. Quando os bairros assumem um papel central na estruturação da prática cultural, há maior aproximação entre a comunidade e as manifestações artísticas, permitindo a construção de uma identidade cultural local mais forte.
Além disso, a descentralização da cultura favorece a inclusão social e a equidade no acesso às oportunidades culturais. Conforme Canclini (2003), a democratização da cultura não pode ocorrer apenas a partir das grandes instituições ou centros urbanos centrais, mas deve ser enraizada nas comunidades periféricas, garantindo que todas as camadas sociais possam participar na produção e consumo cultural.
Infra-estruturas Comunitárias para a Cultura e a Arte
A massificação da cultura e da arte comunitária exige infra-estruturas físicas adequadas para promover a criação, a exibição e o ensino das expressões artísticas. No entanto, a construção dessas infra-estruturas deve seguir um modelo participativo e sustentável, garantindo que os espaços atendam às necessidades reais da comunidade.
1. Centros Culturais Comunitários
Os centros culturais comunitários devem ser espaços multifuncionais onde diferentes manifestações artísticas e culturais possam ocorrer simultaneamente. Estes centros podem incluir:
● Salas de ensaio e estúdios para teatro, música e dança.
● Bibliotecas comunitárias e espaços de leitura.
● Galerias e áreas para exposições de arte local.
● Salas de formação e oficinas para capacitação em artesanato, cinema, fotografia e outras expressões culturais.
● A construção destes espaços pode ser feita a partir de parcerias público-privadas e financiamento via cooperativas culturais, garantindo a autossustentabilidade dos equipamentos culturais.
2. Teatros e Auditórios ao Ar Livre
A arte não precisa estar restrita a espaços fechados. A criação de anfiteatros comunitários e palcos ao ar livre possibilita apresentações culturais acessíveis a toda a comunidade. Estes espaços podem ser construídos em praças, parques e espaços públicos subutilizados, tornando a cultura parte do quotidiano da cidade.
3. Escolas como Pólos Culturais
As escolas municipais podem ser centros irradiadores de cultura, funcionando como espaços de prática artística também fora do horário escolar. Isto significa que salas de aula podem ser adaptadas para oficinas de arte, bibliotecas podem tornar-se espaços de leitura comunitária, e pátios podem ser transformados em palcos para apresentações culturais.
Esta integração escola-comunidade é defendida por Paulo Freire (1987), que considera a educação um processo dialógico e emancipatório, no qual a cultura deve ser um meio de expressão e empoderamento.
4. Requalificação de Espaços Abandonados
A requalificação de espaços urbanos degradados pode ser uma estratégia eficiente para criar centros de cultura autossustentáveis. Edifícios abandonados podem ser convertidos em galerias, ateliers e escolas de arte, estimulando a revitalização urbana e o fortalecimento da identidade cultural local.
5. Políticas de Incentivo à Construção Cultural Comunitária
Além da criação de infra-estruturas, é necessário que o poder público municipal implemente políticas de incentivo para garantir a manutenção e ampliação destes espaços. Algumas estratégias incluem:
■ Fundo Municipal de Cultura, destinado ao financiamento de projectos comunitários e manutenção das infra-estruturas culturais.
■ Isenção fiscal para empresas que apoiem iniciativas culturais comunitárias.
■ Concursos públicos e editais para fomentar a produção artística nos bairros.
■ Formação de gestores culturais comunitários para administrar os espaços e garantir o seu funcionamento eficiente.
A Integração entre Cultura Escolar e Comunitária
A articulação entre a prática cultural escolar e comunitária é um passo essencial para a massificação das artes nos municípios. A escola desempenha um papel fundamental na formação da sensibilidade artística e na introdução das crianças e jovens à cultura local.
Por meio de projectos interdisciplinares, as escolas podem estabelecer parcerias com as cooperativas culturais do bairro, promovendo oficinas, festivais e actividades artísticas que valorizem as manifestações culturais locais. Desta forma, a arte deixa de ser vista como um elemento isolado da educação formal e passa a ser um eixo estruturante da formação cidadã.
Finalmente, é importante referir que a massificação da prática cultural e artística por meio de cooperativas e da valorização do bairro como unidade cultural representa um caminho sólido para o fortalecimento das políticas públicas de cultura nos municípios. No entanto, este processo só será efectivo se for acompanhado pela construção de infra-estruturas culturais comunitárias, que garantam espaços físicos para a prática da arte e cultura.
A integração entre arte escolar e comunitária, aliada à organização colectiva da produção cultural, permite a construção de um ambiente mais democrático, inclusivo e inovador. Inspirados nos conceitos de Bourdieu, Singer, Santos, Canclini e Freire, podemos defender que a cultura deve ser pensada não apenas como expressão estética, mas como um direito fundamental e um motor de desenvolvimento social, económico e identitário.