Análise
Quem são os vencedores e os perdedores na área de Livre Comércio Continental da África?
Por: Natálio Vicente (PhD)
A Área de Livre Comércio do Continente Africano é amplamente vista como um motor crucial para o crescimento económico, industrialização e desenvolvimento sustentável em África. Apesar das oportunidades, os desafios precisam ser enfrentados. O medo de perdas significativas de receitas tarifárias e uma distribuição desigual de custos e benefícios estão entre os principais obstáculos à integração do continente.
Espera-se que o acordo favoreça as pequenas e médias empresas, geralmente conhecidas pela sigla PME, que são responsáveis por mais de 80% do emprego e 50% do PIB em África. Obviamente, qualquer política económica que facilite as importações e exportações entre os países membros – com tarifas mais baixas ou sem tarifas, livre acesso ao mercado e informações de mercado e a eliminação de barreiras comerciais – oferece inúmeros benefícios às PMEs.
A população do continente deverá aumentar para 1,7 bilhões em 2030 e aproximadamente 2,5 bilhões em 2050, com 26% da população mundial em idade activa prevista para viver em África em 2050, de acordo com números da ONU. Por outro lado, as populações em idade activa da Europa e da China estão em vias de diminuir significativamente no mesmo período. A urbanização simultânea deve ver a população das cidades do continente dobrar para 760 milhões em 2030 e 1,2 bilhões em 2050, alimentando ainda mais o crescimento da demanda.
Potenciais vitoriosos
- Maior mercado do mundo
Com assinatura do acordo da Zona de Livre Comércio Continental, África adquire o estatuto do maior mercado do mundo: os 55 Estados-membros da UA representam um produto interno bruto (PIB) de 2.500 mil milhões de dólares (2.030 mil milhões de euros).
Como continente, no seu todo, a vantagem é muito grande porque dá para reunir esforços nas negociações com outros blocos comerciais do Mundo. Entre os países africanos de língua portuguesa, apenas a Guiné-Bissau não assinou o acordo.
- Crescimento económico
Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projecta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%.
Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.
- Investimento estrangeiro directo
Com a retirada das restrições aos investimentos estrangeiros, os investidores migrarão para o continente. Isso adiciona capital para expandir as indústrias locais e impulsionar os negócios domésticos. O novo capital aumenta um ciclo de produtividade ascendente que estimula toda a economia. Uma entrada de capital estrangeiro também pode estimular os sistemas bancários, levando a mais investimentos e empréstimos ao consumidor.
- Redução nos custos de insumos
O AfCFTA irá facilitar o processo de importação de matérias-primas de outros países africanos. Também permitirá que as PMEs criem empresas de montagem em outros países africanos, a fim de ter acesso a meios de produção mais baratos e, assim, aumentar seus resultados financeiros.
- Maior eficiência e vendas
Empresas globais têm mais experiência do que empresas nacionais para desenvolver recursos locais. Isso é especialmente verdadeiro para empresas do sector manufactureiro. O comércio livre permitirá que multinacionais façam parcerias com empresas locais para desenvolver matérias-primas, treinando-as nas melhores práticas e transferindo tecnologia no processo.
OS POTENCIAIS PERDEDORES
Um grande desafio potencial na harmonização das economias heterogéneas da África sob um acordo é a grande variação que existe em seus níveis de desenvolvimento. Por exemplo, mais de 50% do PIB cumulativo da África é contribuído pelo Egipto, Nigéria e África do Sul, enquanto as seis nações insulares soberanas da África contribuem colectivamente com apenas 1%.
O AfCFTA tem os maiores níveis de disparidade de renda de qualquer acordo de livre comércio continental e mais do que o dobro dos níveis observados em blocos como a ASEAN e a CARICOM.
Desafios adicionais
- Maior pressão competitiva
Muitos mercados emergentes africanos são economias tradicionais que dependem da agricultura para obter empregos. Essas pequenas fazendas familiares não podem competir com grandes agro negócios em países africanos de alta renda, como África do Sul, Quénia, Etiópia, Egipto e Nigéria. Como resultado, eles podem perder suas fazendas, levando a um alto desemprego, crime e pobreza.
- Sufocamento de PMEs locais
Os consumidores sempre preferem produtos mais baratos. Isso pode fazer com que os produtores locais percam grandes vendas para fornecedores estrangeiros, porque estes podem reduzir o custo de seus produtos alavancando as tarifas reduzidas impostas aos produtos importados.
- Roubo de propriedade intelectual
Muitos países africanos não possuem leis que protejam patentes, invenções e novos processos. As leis que eles possuem nem sempre são aplicadas com rigor. Como resultado, as ideias das empresas costumam ser roubadas. Com o AfCFTA, isso pode piorar, levando as PMEs a investirem pouco em pesquisa e desenvolvimento.
Perspectiva Africana
Sem a formulação de políticas abrangentes e sem tratamento preferencial para as economias de maior risco da África, o comércio livre poderia provar ser uma força para a divergência económica, ao invés de uma força para o bem. Portanto, é importante que os países participantes construam uma arquitectura institucional eficiente e participativa para evitar deixar quaisquer economias para trás.
Para aumentar o impacto do acordo comercial, políticas industriais também devem ser implementadas, especialmente aquelas relativas às PME e à indústria transformadora. Estes devem se concentrar na produtividade, competição, diversificação e complexidade económica.
Além disso, os membros sob o acordo devem introduzir políticas que atendam às preocupações dos sindicatos, cooperativas, associações e incentivem a concorrência saudável sem matar as empresas locais, garantam o cumprimento estrito do descarte de resíduos e protejam a propriedade intelectual.
O que esperar de Angola
As perspectivas de Angola na Área de Livre Comércio Continental Africana são bastantes animadoras. No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.
A previsão é que o resultado desta interacção seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB). Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB.
É importante referir que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se se verificarem potencialização financeira das empresas nacionais; efectivação do funcionamento da zona de comercio livre; liberalização e diversificação da economia angolana; concretização e operacionalização de projectos de centros logísticos, transportes (aeroporto, porto de águas profundas, caminho-de-ferro internacional e construção de estradas primarias, secundárias e terciárias para facilitar o escoamento de produtos); capacitar a força humana.